Análise do Parecer de Orientação CVM nº 40, de 11/10/2022

Nota: Em hipótese alguma estamos orientando, sugerindo ou recomendando a criação de blockchains ou sistemas congêneres para fins de emissão, distribuição e captação de recursos, de forma pública ou privada. O texto abaixo destina-se única e exclusivamente para divulgar publicamente uma análise pessoal do autor sobre o parecer de orientação CVM n.º 40 de 11 de outubro de 2022. O autor do texto, os administradores e proprietários deste site não se responsabilizarão por eventuais utilizações indevidas ou não autorizadas desta análise por terceiros. Recomendamos expressamente que os interessados procurem assessoria e/ou orientação junto aos órgãos e/ou entidades oficiais e/ou competentes para esclarecer qualquer dúvida antes da emissão de ativos criptográficos.


Inicialmente vale a pena esclarecer que o parecer da CVM não tem como objetivo abordar aspectos técnicos do Blockchain, que os órgãos e instituições públicas costumam chamar envergonhadamente (para não se render ao nome de batismo do que não inventaram e não conseguem controlar) de DLT – Distributed Ledger Technologies. A CVM - Comissão de Valores Mobiliários foi criada em 1976 pela Lei 6.385/76 e tem com o objetivo fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil.

O papel da CVM é proteger o investidor exigindo daqueles que captam recursos através da oferta pública de títulos e/ou valores mobiliários a obrigatoriedade de disponibilizar uma série de informações sobre a oferta, condições, prazos, garantias etc.

CVM

Para saber o que são valores mobiliários temos que ir até o art. 2.º da Lei 6.385/76 que transcrevemos abaixo:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;

II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;

III - os certificados de depósito de valores mobiliários;

IV - as cédulas de debêntures;

V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;

VI - as notas comerciais;

VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;

VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e

IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros."

Sabendo onde a CVM está posicionada no cenário institucional e com base na legislação que lista (acima) os valores mobiliários vamos ver o que diz o parecer:

“Criptoativos são ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs). Usualmente, os criptoativos (ou a sua propriedade) são representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis.”

O último trecho que diz “…, que são títulos digitais…” já bastaria, mas o uso da expressão intangível possivelmente foi acrescentado para fechar a definição reforçando o fato de que se trata de um título que não pode ser manuseado ou tocado, existe única e exclusivamente em formato digital. Como é um parecer da CVM – Comissão de Valores Mobiliários fica implícito que estamos falando de títulos mobiliários, ou seja, papeis emitidos por empresas para fins de captação de recursos junto a investidores.

De acordo com a CVM, seu parecer fala sobre criptoativos, com uma ressalva, o parecer consolida o entendimento da CVM sobre “… as normas aplicáveis aos criptoativos que forem valores mobiliários” . O detalhe que precisa ser percebido neste trecho é o fato de que a CVM entende ou reconhece que existem criptoativos que não são ativos mobiliários.

Se nem todos os criptoativos (ou tokens) emitidos com o uso do aparato tecnológico oferecido pelos Blockchains (criptografia, emissão e controle totalmente digitais, segurança etc.) podem ser classificados como valores mobiliários como a CVM pretende identificar ou classificar um token ou criptomoeda como valor mobiliário?

Encontramos a primeira dica no seguinte trecho: “… embora a tokenização em si não esteja sujeita a prévia aprovação ou registro na CVM, caso venham a ser emitidos valores mobiliários com fins de distribuição pública, tanto os emissores quanto a oferta pública de tais tokens estarão sujeitos à regulamentação aplicável.” (negrito nosso). A CVM completa: “…a administração de mercado organizado para negociação dos tokens, bem como os serviços de intermediação, escrituração, custódia, depósito centralizado, registro, compensação e liquidação de operações que envolvam valores mobiliários estarão sujeitos às regras aplicáveis a essas atividades.” (negrito nosso). Resumindo, a CVM está dizendo que olhará para os criptoativos (ou tokens) emitidos e ofertados publicamente com todos os serviços agregados ao processo de oferta, gestão e liquidação de valores mobiliários, como é o caso das corretoras (Exchanges).

Para fins de emissão do seu parecer a CVM classificou os tokens em três tipos adotando definição que já é usado no mercado, que transcrevemos abaixo:

“(i) Token de Pagamento (cryptocurrency ou payment token): busca replicar as funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor;

(ii) Token de Utilidade (utility token): utilizado para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços; e

(iii) Token referenciado a Ativo (asset-backed token): representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. São exemplos os “security tokens”, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFTs) e os demais ativos objeto de operações de “tokenização”. (obs.: acho que seria melhor traduzir como token vinculado a outro ativo)."

É essencial entender que a classificação como valor mobiliário será avaliado caso a caso pela CVM a depender de fatores tais como direitos conferidos aos titulares ou da função que assuma ao longo do projeto. Neste sentido as criptomoedas em geral, as stablecoins e as NFT’s podem ser (ou não ser) enquadradas como valor mobiliário.

Até aqui listamos o que são valores mobiliários em sentido amplo, de acordo com o que diz a lei 6.385/76 e o que diz a CVM a respeito dos criptoativos (ou tokens). Fica claro que a lei editada em 1976 não prevê nada relativo ao universo das criptomoedas ou dos tokens em geral. O parecer da CVM reforça que qualquer ativo previsto na lei 6.385 emitido via blockchain (e não pelas vias tradicionais) será considerado ativo mobiliário. E vai além, mesmo que não tenham sido submetidos e/ou avaliados previamente, qualquer token ofertado ou distribuído publicamente poderá vir a ser classificado como ativo mobiliário sujeitando-se as regras deste mercado. A CVM vai além e deixa claro que CIC’s ou contratos de investimento coletivo voltados para negociação de criptoativos de qualquer natureza (mesmo aqueles que não possam ser classificados como ativos mobiliários) estarão automaticamente sob sua supervisão. No parecer a CVM explica como ela caracteriza um contrato de investimento coletivo. Quem estiver interessado poderá olhar os detalhes no parecer. Destacamos por aqui que um contrato de investimento coletivo tem detalhes como criação de um vínculo entre duas partes, necessidade de aporte de valor (seja em dinheiro, bens ou outros ativos), oferta de algum tipo de retorno futuro, oferta pública, esforço da parte que capta o recurso para rentabilizar o recurso investido e certamente o fato de ser algo coletivo.

Especificamente sobre a questão da oferta pública a CVM esclarece que o fato do acesso ser restringido através do uso de recursos como uso de login e senha para algum site disponível da internet não é fato determinante para excluir alguma oferta pública deste conceito. Por derivação e por suposição minha, suponho que o envio de um link via e-mail, por exemplo, poderá caracterizar-se como um caso de oferta pública não estando isento do crivo da CVM sob alegação de que se trata de uma oferta privada ou restrita. Todavia, segundo consta no parecer, as situações serão avaliadas caso a caso. Para a CVM não importa se o emissor não está localizado geograficamente no Brasil, se a oferta estiver disponível para acesso via internet em língua portuguesa pode vir a ser considerada como sendo uma oferta pública de valor mobiliário sujeito ao crivo da CVM.

Outro ponto importante reforçado pelo parecer que vai na mesma linha da questão acima está no tratamento dado a questão dos derivativos. Como a Lei 6.385/76 define que os derivativos são ativos mobiliários independente do ativo subjacente não importando qual seja o ativo origem a regra vale também para o caso dos eventuais derivativos baseados em criptomoedas ou tokens. Olha-se para o fato do ativo ofertado ser um derivativo não importando de qual ativo ele deriva, ou seja, de qual ativo ele tem origem.

Para proporcionar mais segurança aos investidores interessados em aportar recursos que estejam sendo captados através da emissão e oferta pública de criptoativos (ou tokens) a CVM recomenda e, portanto, avisa que vai avaliar alguns fatores quando decidir algum caso concreto.

No primeiro grupo de informações temos aspectos ligados a emissão e oferta: identificação do emissor e dos envolvidos no processo; descrição da atividade exercida pelo emissor; detalhamento das eventuais garantias atreladas a emissão do token (quantidade, valor, local e agente de custódia etc.); descrição dos direitos da forma como os investidores serão remunerados incluindo eventuais expectativas de valorização futura; qual será o mecanismo de consenso adotado no blockchain (exemplo: prova de trabalho - PoW); e detalhamento dos riscos ligados a tecnologia, identificação clara dos canais de atendimento e informações sobre taxas e outros valores que eventualmente incidirão no processo de oferta).

No segundo grupo de informações temos aspectos ligados ao blockchain: razão pela qual a emissão está sendo feita com uso desta tecnologia; eventuais desvantagens em relação aos meios tradicionais que não foram usados; uso concreto do blockchain para emissão, negociação e custódia do criptoativo; detalhamento do processo de armazenamento e das chaves privadas; regras de governança; tipo de rede (pública ou de acesso limitado); locais autorizados pela CVM onde os tokens serão negociados; e processo de identificação da origem dos recursos para evitar captação de recursos ilegais.

Nos casos em que o emissor do criptoativo se utilize de terceiros para conduzir o processo de distribuição dos criptoativos (geralmente Exchanges/Corretoras) além da devida identificação destas corretoras caberá as mesmas (corretoras) entrar com a sua cota de contribuição cabendo-lhes avaliar o cumprimento das regras pertinentes a todo processo de emissão e distribuição de valores mobiliários, além de estarem devidamente autorizadas para exercer a intermediação.

Os fundos de investimento devidamente constituídos que decidirem incluir criptoativos na sua carteira, além do eventual aporte de recurso dos investidores estar previsto nas regras do fundo também devem efetuar as devidas análises de viabilidade, rentabilidade, garantia etc. mantendo informado seu grupo de cotistas sobre os aportes e os riscos existentes neste tipo de alocação.

Concluímos com base no que já tivemos oportunidade de postar anteriormente por aqui a respeito de alguns casos avaliados pela SEC – Securities and Exchange Commission, órgão americano equivalente a nossa CVM – Comissão de Valores Mobiliários que estamos seguindo o modelo adotado por lá neste assunto, como já estávamos prevendo. É inegável que a SEC tem se debruçado sobre este assunto e tem muito a nos ensinar.

Nesta postagem você encontra o link para o Parecer citado nesta postagem em PDF:

Nesta postagem fizemos uma análise sobre a visão da SEC x Tokens:

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