Estudo de Processos da SEC Contra as Criptomoedas

Para quem enxerga o mundo a partir de parâmetros globais pode ser interessante saber como a SEC – Securities and Exchange Commission que é o órgão americano equivalente à nossa CVM – Comissão de Valores Mobiliários olha e age em relação as criptomoedas em geral. Por enquanto boa parte das coisas que repercutem e tem influência global tem origem naquele País. Não estamos defendendo algo do tipo copiar e colar do que se faz por lá neste terreno. Temos nossos próprios órgãos, mas não custa olhar o que os outros estão fazendo, talvez possamos aprender alguma coisa. Neste sentido tivemos oportunidade de olhar um estudo (1) relacionado a procedimentos administrativos e judiciais tomados por iniciativa da SEC relacionados a empresas e pessoas ligados ao ecossistema das criptomoedas. O estudo é assinado pela Gerente Sênior da Cornerstone Research (2), Dra. Simona Mola (3) que é Ph.D. ou Pós Doutora e entre outras funções atuou como Diretora Assistente do Escritório de Finanças Corporativas da Divisão de Análise Econômica e de Risco da própria SEC e como professora assistente de finanças na Arizona State University.

Para quem se interessar no estudo que tem 30 páginas temos mais de 10 páginas relacionando cada um dos processos (judiciais ou administrativos) analisados e outras dedicadas a listar negociações suspensas e comunicados gerais emitidos pela SEC. A parte central do estudo tem cerca de 10 páginas sendo que cada página tem pelo menos um gráfico que ocupa metade da página.

A pesquisa começa relatando que a primeira iniciativa tomada pela SEC relacionado ao mundo das criptomoedas é de julho de 2013. Portanto o estudo começa a partir deste processo e abrange os demais processos (judiciais ou administrativos) até 31 de dezembro de 2020. Na maioria dos casos tanto administrativos como judiciais nota-se que houve um aumento expressivo a partir do final do ano de 2017, momento em que houve um aumento considerável no preço da maioria das criptomoedas existentes naquela época.

Foram catalogados 75 processos considerados relevantes pela autora da pesquisa que foram abertos pela SEC sendo 43 de natureza judicial e 32 no âmbito administrativo. Do montante de 43 processos de natureza judicial cerca de metade destas ações judiciais transcorreram em tribunais localizados no estado de Nova York. Ainda no contexto destas ações judiciais, até 05 de março de 2021 tinham chegado ao fim 25 processos. Entrando no terreno dos percentuais, 81% dos processos envolviam supostos esquemas fraudentos, 70% dos processos judiciais envolviam oferta de ativos mobiliários sem registro prévio na SEC, 58% dos processos judiciais conjugavam fraude e oferta sem registro prévio, 52% das ações judiciais relacionados à oferta de valores mobiliários consistia na realização de ICO – Initial Coin Offering e em resumo a grande maioria dos processos envolvia ofertas não registradas previamente. Por fim o estudo registra que foram emitidas 19 ordens de suspensão de negociação de criptomoedas. Neste sentido o estudo concluiu que a SEC se estabeleceu como um dos principais agentes reguladores e fiscalizadores do mercado de criptomoedas. Além destas questão outro ponto apurado pela pesquisa que deu origem a alguns processos da SEC foi a participação de empresas negociando criptomoedas como Corretora ou Bolsa de Valores nos Estados Unidos sem o competente registro. Um dos exemplos citados de intervenção da SEC em processos de venda de criptomoedas é o caso da “ICO” da Telegram (TON) que foi suspenso depois que já tinha sido arrecadado um montante estimado na casa dos 1.7 bilhão de dólares. Abrindo um parênteses e pegando informação fora do contexto da pesquisa consta que a Telegram devolveu cerca de 1.2 bilhão de dólares e pagou uma multa de 18,5 milhão de dólares para resolver a pendência junto a SEC (4).

A pesquisa também ressalta que declarações públicas feitas por funcionários da SEC individualmente e declarações conjuntas feitas em sintonia com outros órgãos reguladores americanos como CFTC – Commodity Future Trading Commission (6), FinCEN – Financial Crimes Enforcement Network (7) e FINRA – Financial Industry Regulatory Authority (8) indicam que estes órgãos reguladores/fiscalizadores americanos estão atuando de forma coordenada em assuntos relacionados às criptomoedas.

O primeiro processo aberto pela SEC em julho de 2013 foi contra a empresa Bitcoin Savings and Trust. Já neste primeiro processo a SEC acusou a empresa de fraude mediante utilização Bitcoin num esquema Ponzi (5). Em alguns casos um sinal de alerta a ser considerado pelos eventuais investidores interessados em algum tipo de criptomoeda é a emissão de alertas antes mesmo da abertura de processos administrativos ou judiciais.

Principais Motivos

O motivo mais frequente que gera intervenção da SEC é a oferta de criptomoedas sem registro prévio, sendo que nestes casos a SEC considera estas criptomoedas como valores mobiliários “disfarçados” de criptomoedas. Em resumo trata-se de uma acusação feita pela SEC de captação de dinheiro no mercado sem autorização prévia da SEC. Do total de 75 ações catalogadas pela pesquisa 28 ações incluíam acusação de fraude combinado com oferta ilegal. Entre outros motivos a SEC considera fraude a oferta e negociação de criptomoedas (ou valores mobiliários na visão da SEC) em corretoras não credenciadas/autorizadas a operar nos Estados Unidos. Outro motivo que a SEC considera como fraude é a falta de informações claras e objetivas sobre a contrapartida (remuneração) a ser paga ao investidor que aloca recursos numa criptomoeda. A pesquisa apurou que dentre as ações judiciais tomadas pela SEC houve a participação conjunta da CFTC em 3 processos.

Fundamentos da SEC para Abrir os Processos

Dos 32 processos administrativos abertos pela SEC a partir de julho de 2013 temos 66% relacionados a venda de criptomoedas (que a SEC considera como oferta de valores mobiliários) sem registro prévio, ou seja, sem autorização da própria SEC. Apenas 4 destes processos envolviam acusação de fraude.

Dos 43 processos judiciais temos uma grande maioria (81%) sendo acusados de serem esquemas fraudulentos. Dentro desse grupo 31 casos, que representam 72%, não tinham registro prévio na SEC e 58% do total de 43 processos ajuizados pela SEC conjugavam ausência de registro prévio e fraude.

Oferta de Valores Mobiliários não Registrados

Do total de 75 casos temos 21 processos administrativos e 31 processos judiciais relacionados a ausência de registro prévio da venda de criptomoedas. Dentre estes 52 casos temos 39 ações relacionados a processos chamados de ICO – Initial Coin Offering. Dentro deste tópico a pesquisa registra o que já é de conhecimento público que é o fato de a SEC não considerar Bitcoin e Ethereum como ativos mobiliários e por enquanto não estão infringindo normas da SEC.

Tipos de Pessoas Acusadas

Dentro dos 43 processos judiciais abertos pela SEC foram acusados tanto pessoas físicas como jurídicas. Em apenas 9 dos casos houve uma clara separação sendo 2 ações exclusivamente abertos contra empresas e 7 ações movidas exclusivamente contra pessoas físicas.

No campo dos processos administrativos que totalizam 32 casos temos 19 processos administrativos envolvendo apenas empresas, 6 processos abertos contra indivíduos e 7 ações que misturavam pessoas físicas e jurídicas.

Prazo de Duração dos Processos Judiciais

Do total de 43 processos judiciais abertos pela SEC 25casos, mais da metade, tinham chegado ao fim e 18 estavam pendentes até março de 2021. Dos casos que chegaram ao fim o prazo desde a abertura até a conclusão foi entre 305 e 343 dias, ou seja, inferior a 1 ano.

Local Mais Comum dos Processos Judiciais

Mais da metade dos 43 processos judiciais abertos pela SEC foram no estado de Nova York sendo que 18 se concentraram no Distrito Sul e 4 no Distrito Leste de Nova York. Vale lembrar que New York é onde fica uma das sedes regionais da SEC, talvez a mais importante dentre as demais reginais pelo fato da cidade de New York ser considerado como o centro financeiro mundial e cidade onde estão localizadas as sedes dos maiores bancos e das maiores bolsas de valores. Ou seja, a escolha de New York é mais ou menos como tentar jogar esse jogo pesado dentro de casa. Outra questão que talvez faça parte desta estratégia de concentrar os processos na mesma jurisdição é criar algum tipo de conhecimento nas pessoas envolvidas, fato que ajuda na análise dos processos e por consequência na tomada de decisões por parte dos Juízes. Do total de 43 casos 2 Juízas do Distrito Sul de Nova York julgaram 4 casos cada uma envolvendo processos da SEC relacionados às criptomoedas.

1 - Link para a análise completa (PDF em inglês):

https://www.cornerstone.com/Publications/Reports/SEC-Cryptocurrency-Enforcement—Q3-2013–Q4-2020

2 – Cornerstone:

Site da empresa de análises Cornerstone:

https://www.cornerstone.com/

Resumo da pesquisa (em inglês):

https://www.cornerstone.com/Publications/Press-Releases/Cornerstone-Research-Report-Shows-SEC-Establishes-Itself-as-a-Key-U-S-Cryptocurrency-Regulator

3 - Sobre a autora do estudo:

https://www.cornerstone.com/Staff/Simona-Mola

4 – Notícia sobre ICO da Telegram (TON):

https://www.complianceweek.com/regulatory-enforcement/telegram-to-pay-back-investors-12b-for-failed-ico/29129.article5

5 – Sobre Esquema Ponzi:

6 – A CFTC é uma agência independente do governo americano que regula e fiscaliza os mercados futuros e de opções. Site da CFTC:

7 – A FinCEN é uma agência vinculada ao Departamento de Tesouro dos Estados Unidos que monitora transações financeiras visando combater crimes como lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Site da FinCEN:

https://www.fincen.gov/

8 – Como se nota pelo tipo de endereço (.org) da página a FINRA é uma organização de natureza privada que atua como autorreguladora dos agentes (pessoas físicas como assessores de investimento e empresas como corretoras) que atuam nos mercados de negociação de ativos financeiros no território americano. Site da FINRA:

https://www.finra.org/#/