Toshiba pode ser uma ameaça a rede bitcoin?

Parte Dois - Quais são as aplicações de um SBM?

Alguns exemplos de aplicação desta tecnologia citados pela Toshiba são: logística (otimização de rotas), finanças (otimização de portfólio de investimentos) e ciência (desenvolvimento de medicamentos).


Fonte: https://www.toshiba-sol.co.jp/en/pro/sbm/index.htm

Até aqui não há novidade. Se olharmos as possíveis aplicações do computador quântico da IBM encontramos as seguintes aplicações: fornecimento e logística, serviços financeiros, inteligência artificial, segurança na nuvem, pesquisa de novos materiais na física/ química e desenvolvimento/descoberta de novos remédios. https://www.tecmundo.com.br/computacao-quantica/114833-ibm-lanca-primeira-plataforma-comercial-computacao-quantica-mundo.htm

A aplicação na logística, de certa forma, é natural. Quem estuda logística deve conhecer um problema clássico chamado problema do caixeiro viajante. Partindo de um determinado local e tendo que voltar ao mesmo local de partida qual será a melhor rota considerando que o caixeiro viajante deve visitar vários locais. Quanto maior for o número de locais a serem visitados maiores serão as possibilidades de rotas (crescimento exponencial das alternativas). Um algoritmo simples não conseguirá determinar a melhor rota sem consumir muito tempo de processamento. Dependendo da quantidade de locais torna-se inviável fazer o cálculo pela demora ou até mesmo pela impossibilidade de se obter um resultado aceitável. A tecnologia SBM pretende oferecer uma solução para esse problema, entregando uma boa rota, dentre várias outras possíveis e que também podem ser rotas boas, consumindo um tempo aceitável para fazer esse cálculo.

Conforme vídeo citado na postagem anterior, os grandes supercomputadores são encontrados onde mesmo? Em centros de pesquisas e/ou universidades. https://www.youtube.com/watch?v=jz4Mtg-ZbAA. É natural que estudos, pesquisas e experimentos consumam grande capacidade de processamento de dados para realizar cálculos matemáticos. Abrindo um parênteses, pesquisas que consumiriam até milhares de anos sendo processados em computadores isolados são acelerados/adiantados para alguns anos com uso ou melhor de empréstimo de poder computacional ocioso de empresas e mesmo de usuários domésticos. A exemplo da rede P2P do Bitcoin o sistema funciona da mesma forma, criando uma rede P2P voltado para ajudar no processamento de pesquisas científicas. Um projeto de pesquisa de genoma apoiado pela WCG https://www.worldcommunitygrid.org . que levaria 100 anos para ser concluído demorou apenas oito meses. Existem vários outros “cases” até no Brasil que são apoiados neste conceito, como alguns projetos do Sprace da Fapesp de São Paulo. https://sprace.org.br .

Finalmente vamos ao que interessa que é tentar responder a pergunta de um milhão de bitcoins desta postagem. Afinal de contas esse algoritmo desenvolvido por pesquisadores da Toshiba pode acabar com o bitcoin (ameaça a rede)? Uma das aplicações possíveis desta tecnologia é no campo das finanças. Talvez focado em arbitragem de moedas, que por sinal, não é permitido/legalizado no Brasil. E o que é arbitragem no mundo financeiro afinal de contas? Qualquer ativo negociável, em tese, pode ser objeto de arbitragem. Se você olha o preço de um determinado ativo em vários locais diferentes (por exemplo corretoras de bitcoin) vai ver que o preço em cada uma delas não é exatamente igual. Vai haver uma variação que pode ser na casa dos centavos entre as várias corretoras. No processo chamado de arbitragem você vai comprar naquela que estiver mais barata e vai revender logo em seguida naquela onde o preço está mais caro. Seu lucro está na diferença entre o preço de compra e venda menos os custos. Como os preços costumam variar na casa dos centavos, para obter lucro é preciso operar o tempo todo e com valores elevados, é assim que eu vejo o mercado de arbitragem. Para aproveitar essa diferença de preços velocidade e agilidade é essencial, a transação tem que ser feita antes que os preços mudem ou até mesmo se invertam. Existem diversos tipos de operações que são chamados de arbitragem e que eu sinceramente não sei dizer se são ou não arbitragem sob o aspecto técnico. Independente disso todo tipo de arbitragem tem riscos, seja pela velocidade que as operações exigem ou pelos ativos envolvidos. Exemplo: existem investidores que fazem arbitragem de ações entre o mercado à vista e o mercado futuro. Sob o aspecto da arbitragem não me parece que a tecnologia SBM possa causar algum tipo de transtorno para a rede Bitcoin ou mesmo para qualquer outra rede de criptoativos. É fundamental observar que arbitragens no fundo são transações de compra e venda, tem alguém vendendo e alguém comprando. Cada transação gera resultado financeiro para pessoas físicas e financeiro mais contábil para pessoas jurídicas. Se o sistema de arbitragem simplesmente faz operações de compra e venda sem gerar reflexos financeiros e/ou contábeis não é confiável. Como este tipo de operação não é legalizado no Brasil fica a dica. Qualquer alocação de recursos neste tipo de operação é por conta e risco de quem se se arrisca nessa seara. O sistema Bitcoin ainda tem uma questão de escala, aqueles dez minutos em média que uma operação demora para ser confirmada pelos mineradores. De que adianta ter um algoritmo capaz de realizar milhões de operações por minuto se o próprio sistema Bitcoin não confirma as transações nessa velocidade? Se alguém diz que faz centenas de operações de compra e venda de bitcoins por minuto existe algo a ser verificado nesta história. Por isso, sob este aspecto não me parece razoável que a tecnologia SBM ofereça risco a rede Bitcoin ou a outras redes em geral.

O cerne da questão com relação ao surgimento de um algoritmo capaz de realizar processamentos em larga escala que não são possíveis com base nos programas e equipamentos atualmente disponíveis está na criptografia. Na minha visão tornar o Bitcoin obsoleto ou sem utilidade depende da possibilidade ou não de quebrar a criptografia do sistema. Se alguém quiser “atacar” a rede Bitcoin precisará de muito, muito poder computacional para realizar processamento em altíssima escala dos blocos já minerados, fazendo as “alterações” maliciosas nos blocos já minerados e reintroduzindo as mesmas na cadeia de blocos existentes. Lembrando que os nós procuram sempre a cadeia mais longa, mais adotada pelos demais nós e que seria a mais confiável. A brincadeira aqui não admite desvios nem aproximações, os cálculos precisam ser exatos para serem aceitos e confirmados pelos demais nós. Esse jogo recomeça a cada dez minutos em média, ou seja, a cada dez minutos aumenta um bloco a mais para ser “alterado” pelo atacante, que ainda precisa convencer os demais nós de que o seu bloco “alterado” é o válido. Para entender essa questão da cadeia de blocos sugiro o vídeo abaixo que explica de forma simples como se forma a cadeia de blocos e porque não basta simplesmente alterar uma ou mais transações dentro de um bloco para fazer uma “fraude” do tipo reverter uma transferência de bitcoin.

Além disso existe a questão do ajuste da dificuldade na mineração. Se por acaso entrar na rede Bitcoin um ou mais mineradores/computadores capazes de realizar a mineração de forma muito rápida o sistema vai detectar e vai aumentar a dificuldade. O inverso também ocorre, se muitos mineradores desligarem suas máquinas diminuindo a capacidade e aumentando o tempo de mineração para um tempo acima da média de dez minutos o sistema vai diminuir a dificuldade para trazer o tempo para a média. Pode até ocorrer alguma ação maliciosa com algum prejuízo por algum tempo, mas o sistema vai se ajustar.

Com base no que eu entendi da tecnologia SBM ela vai atuar num universo de múltiplas variáveis usando conceitos da física clássica e quântica para otimizar a busca por um resultado possível dentro de vários outros resultados possíveis, a grosso modo uma espécie de escolha menos pior ou mais próxima do que seria o resultado exato, entre vários outros resultados possivelmente certos. Me parece que a tecnologia não acerta no c. da mosca, talvez acerte com precisão na própria mosca, mas não naquele lugar específico. Neste sentido o cálculo do “hash” e do “nonce” não aceitam aproximações ou resultados dentro de uma margem, mesmo que seja mínima, o resultado tem que ser exatamente aquele esperado. O tiro tem que ser certeiro naquele lugar sem desviar um milímetro. Se a tecnologia SBM não consegue oferecer exatamente o resultado esperado e sim aproximações possivelmente certas entre várias outras me parece que não conseguirá quebrar a criptografia nem reconstruir cadeia de blocos em dez minutos. Nas palavras dos criadores, com grifo nosso: “…a máquina SB pode obter boas soluções aproximadas de um problema…”


Fonte: https://advances.sciencemag.org/content/5/4/eaav2372

Mesmo assim, se por acaso houver algum risco para a rede, me parece que a adoção do sistema “PoS - Proof of Stake” pode ser uma contramedida já que muda de forma significativa o processo de competição entre os mineradores. Todavia como é uma novidade e ainda está sendo oferecida para realização de PoC (prova de conceito) ainda não dá para cravar que não trará nenhum risco, no máximo apostaria um café expresso. A implementação do PoS, entre outras finalidades, permite que a mineração possa ser feito em computadores comuns, saindo da esfera das máquinas ASIC que são construídas especialmente para mineração, existindo modelos construídos especificamente para mineração de bitcoin e modelos feitos especificamente para mineração de ethereum, segue o link da postagem: Istambul será o Próximo Hard Fork do Ethereum.

Uma coisa é certa, os japas lá da Toshiba não criaram essa tecnologia pensando em quebrar a rede Bitcoin ou mesmo qualquer outra rede. Querem oferecer uma tecnologia capaz de resolver problemas reais que melhorem a vida das pessoas, essa é uma das coisas belas da ciência, melhorar nossa vida. Sempre poderá existir alguém capaz de se apropriar de coisas/invenções boas para praticar crimes. Os primeiros passos da construção de um computador quântico foram dados a quase dez anos atrás (2011) e o projeto vem sendo aperfeiçoado continuamente. A Nasa e a empresa fabricante de aviões Lockhead tem computadores quânticos, com cerca de 15 milhões de dólares é possível comprar um computador quântico D-Wave. https://www.dwavesys.com. Uma das previsões que surgem de vez em quando é que os computadores quânticos podem acabar com os criptoativos. Depois de dez anos e com três projetos diferentes (D-Wave, IBM e Google) de computadores quânticos em operação ainda não vimos nada nesse sentido. A IBM está na 14.ª versão de computador quântico, sempre aumentando a capacidade. São dezenas de empresas e centenas de pessoas experimentando computador quântico da IBM num programa chamado de IBM Quantum Experience: https://www.ibm.com/quantum-computing/technology/experience/.

Por outro lado, também é importante lembrar que o Bitcoin não foi criado e largado ou abandonado. Existem pessoas que trabalham única e exclusivamente para manter o sistema operacional, confiável e ativo. Pessoas que trabalham por conta própria por ser um projeto de código aberto ou que são bancados por instituições como universidades. O principal instituto é a Fundação Bitcoin mas existem várias outras instituições, geralmente sim fins lucrativos, que colaboram. Se realmente for detectado algum risco para a rede estas pessoas e a comunidade como um todo vai se esforçar para não deixar isso acontecer. Vale lembrar que vários “bugs” já foram detectados, apontados e corrigidos ao longo do tempo. Suponhamos que você saiba que existe alguém mal-intencionado querendo te roubar. Você vai sentar e ficar esperando o roubo acontecer ou sabendo que isso vai acontecer vai tomar medidas para não ser roubado?

Bom já mataram o bitcoin tantas vezes que temos até um contador de mortes do bitcoin. Já são 379 anúncios de morte e segue contando… https://99bitcoins.com/bitcoin-obituaries/. Não sei qual das lendas é maior: a identidade do(s) criador(es) ou a morte da criação (bitcoin), mas ambos ainda são lendas urbanas, pelo menos por enquanto. Aliás, existe um ditado popular que diz mais ou menos o seguinte: “para morrer basta estar vivo”. Em outras palavras, sim o bitcoin pode morrer em algum momento, porque não? O bitcoin é criado, transferido e mantido no mundo digital. Estruturalmente falando depende de computadores e da conexão entre estes computadores.

Por outro lado, mesmo que o Bitcoin morra algum dia, concordo com o que Nassin Taleb escreveu sobre uma possível falha do Bitcoin no prefácio do livro “The Bitcoin Standard: The Decentralized Alternative” de Saifedean Ammous, prefácio que tem como título “Pode falhar mas agora sabemos como fazê-lo” de onde destaco o trecho abaixo (grifo nosso), disponível na íntegra em: https://medium.com/opacity/bitcoin-1537e616a074.

“Finally, Bitcoin will go through hick-ups (hiccups). It may fail; but then it will be easily reinvented as we now know how it works . In its present state, it may not be convenient for transactions, not good enough to buy your decaffeinated expresso macchiato at your local virtue-signaling coffee chain. It may be too volatile to be a currency, for now. But it is the first organic currency.”

“Por fim, o Bitcoin passará por soluços. Pode falhar; mas será facilmente reinventado, pois agora sabemos como funciona . Em seu estado atual, pode não ser conveniente para transações, não o suficiente para comprar seu expresso descafeinado macchiato na sua cadeia local de café com sinalização de virtude. Pode ser muito volátil para ser uma moeda, por enquanto. Mas é a primeira moeda orgânica.”

Me parece que a expressão orgânica no texto do Taleb indica algo que tem vida própria, não depende do estado para existir.

Concluindo, minha opinião é de que a curto e médio praz a tecnologia SBM não oferece riscos a rede Bitcoin. Até acho que existem riscos maiores em outras redes menores, que eventualmente estão mais expostas a ataques de atacantes com mais poder de computação, mas não acredito que computadores quânticos e tecnologia SBM sejam usados para atacá-los, pelo menos por enquanto. Essa é a minha visão de quem não entende nada de programação e tampouco de física.

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