STABLECOINS - Gato por Lebre?

Introdução

Sempre tem alguém querendo melhorar algo que já é bom, está funcionando bem e se transformou numa referência no mercado. Muitos avanços nasceram desta forma, em algum momento aparece alguém com uma solução melhor e mais aperfeiçoada de algo que já existe. O Google não foi o primeiro buscador, o Chrome não foi o primeiro navegador, o Facebook não foi a primeira rede social, a Amazon não foi a primeira loja online etc. Os exemplos estão aí em todas as partes.

Por enquanto parece que o universo das criptomoedas ainda não viu este fenômeno acontecer. Hoje, 02/07/2022 o site coinmarketcap contabiliza 20.088 criptomoedas, 514 corretoras, um valor de mercado total de quase 868 bilhões de dólares e registra a persistente dominância do bitcoin com mais de 42% de participação seguido um pouco de longe pelo Ethereum com quase 15%.


Imagem retirada de https://coinmarketcap.com/ em 02/07/2022

Como registrei no primeiro parágrafo os projetos que têm uma proposta parecida e são baseados em algo que já existe geralmente tentam introduzir melhorias no que já existe propondo alternativas e soluções para problemas que os projetos pioneiros muitas vezes não conseguem atender com o passar do tempo. Os mais fanáticos adoradores do Bitcoin podem até achar que o próprio Bitcoin é algo que veio para substituir o dinheiro ou a moeda fiduciária. Pode até ser que isso aconteça algum dia, a curto prazo não acreditamos nisso e talvez o Bitcoin acabe se tornando até uma boa ideia que veio dentro de algo ainda mais interessante que é a tecnologia Blockchain. Esse veio para ficar de forma indiscutível.

Todavia o Bitcoin permanece teimosamente de pé desde que foi lançado lá no começo de 2009. Não somos ingênuos para acreditar que ele é perfeito a ponto de não requerer melhorias, correções e ajustes, tanto é que eles aconteceram ao longo do tempo. Mesmo assim, podemos dizer que desde que foi lançado ele praticamente não parou de funcionar gerando novos blocos a cada 10 minutos em média. Se não bastasse essa persistência e resiliência o Bitcoin domina quase metade do mercado mesmo depois de ter visto o nascimento de mais de 20 mil criptomoedas dos mais diversos tipos desde que ele surgiu de forma pioneira 13 anos atrás.

Dentre estas mais de 20 mil criptomoedas que foram lançadas ao longo dos últimos anos um tipo específico tem gerado preocupação entre os que realmente se debruçam e avaliam os fundamentos destes projetos. Sendo equiparado a uma moeda e tentando cobrir as mesmas funções elas têm uma vantagem ou desvantagem, dependendo do ponto de vista. As criptomoedas são totalmente virtuais ao contrário das moedas fiduciárias (pelo menos por enquanto) que podem ser manipuladas, contadas e guardadas fisicamente (geralmente numa carteira de couro ou algum material sintético).

Quem já nasceu com um “smartphone no bolso” possivelmente não tem nenhum tipo de receio ou dificuldade em lidar com coisas que são totalmente virtuais. Mas o mundo não é composto apenas e tão somente por pessoas desta geração, muito menos comandado por este tipo de gente, por enquanto. E mesmo pessoas desta geração “touch” talvez possam ter alguma desconfiança com algo que tem valor, mas é totalmente virtual.

Não demorou para que alguém tivesse uma sacada (pode ter parecido, mas que não é brilhante). Se o preço das criptomoedas oscila demais e de forma muito abrupta em alguns momentos gerando desconfiança e sofre críticas por ser algo virtual a solução pode estar na introdução de um lastro físico como ouro ou dólar. O fato curioso desta abordagem está no fato delas proporem a reintrodução de algo que foi abandonado pelas moedas fiduciárias muitos anos atrás, que é a existência de uma espécie de “lastro” pareado com o volume de criptomoedas emitidas para garantir o seu valor no mercado.

Se a tese do lastro é uma boa tentativa de acrescentar algum grau de confiança numa criptomoeda a sua execução não é tão simples. Exige capital do criador para comprar o ativo que vai servir de par no mundo físico. Em tese o total do capital disponível define quanta criptomoeda poderá ser emitida virtualmente com amparo da garantia física estabelecida no projeto. Além disso o lastro acrescenta um custo extra ao projeto porque exige o pagamento de taxas de custódia do ativo (exemplo: manter ouro em local seguro) e o pagamento para quem vai fiscalizar e garantir que determinado ativo físico realmente está garantindo quantidade equivalente de criptomoeda emitida virtualmente. Quanto mais confiável for o agente fiscalizador, mais caro ele cobrará para pôr seu nome nos relatórios periódicos e quanto mais relatórios ele fizer (mensal, trimestral, semestral) mais ele vai cobrar. Não se engane, quando alguém cria uma criptomoeda pareada com o dólar, por exemplo, certamente ele não vai manter a quantia equivalente de dólares parado num cofre porque dinheiro parado perde valor, até mesmo o dólar se desvaloriza. Ao invés disso você vai ver títulos do governo americano ou papéis de renda fixa em dólar, por exemplo, compondo o estoque da garantia em dólar.

Nesta outra postagem você pode ter uma ideia sobre a composição do “lastro” da Stablecoin Tether: Entendendo o Relatório Consolidado de Reservas da Tether USDT

As “Stablecoins” – Criptomoedas Estáveis

Como sempre tem gente com ideias andando por aí não demorou para vermos circulando um tipo de criptomoeda que “se vende” como um tipo de criptomoeda com as vantagens intrínsecas que elas trazem acrescido de uma característica adicional que resolveria a questão da volatilidade. Por consequência seria mais razoável adotá-la como meio de pagamento sem causar maiores consequências para quem se dispuser a aceitá-la. Um vendedor não ficaria pensando no prejuízo que terá ao vender algum produto por “x” quantidade de criptomoedas que convertidas na moeda oficial não serão suficientes para comprar o mesmo produto para repor o estoque. Na outra ponta o comprador também não ficará ganancioso pensando que daqui a algum tempo poderá comprar o mesmo produto pagando menos ou talvez até consiga comprar um produto com mais qualidade. Este tipo de situação ocorre porque fazemos o câmbio entre a criptomoeda e a moeda fiduciária. Este problema poderia ser minimizado se toda a cadeia produtiva daquele produto também adotasse a criptomoeda usada para fixar o preço do seu insumo. Um fato que atualmente ainda está muito longe de se tornar realidade.

Um tipo de solução que foi proposto para tentar gerenciar a volatilidade é a “vinculação” de uma criptomoeda a um “lastro”, ou seja, com valor pareado ao preço de moedas fortes, metais ou commodities.

O passo seguinte, talvez para contornar a necessidade de capital em dinheiro para a criação de uma criptomoeda com o carimbo de estável, foi o surgimento de projetos que garantiam a estabilidade mediante vinculação com outras criptomoedas mais valorizadas e conhecidas como bitcoin e/ou outras criptomoedas estáveis já criadas como Tether. Algumas Stablecoins nascem amparadas em cestas compostas por várias criptomoedas.

E não demorou para surgir uma inovação na forma de pareamento para garantir a estabilidade de uma criptomoeda, que é baseada em algoritmos. Ou seja, em termos mais genéricos, o que garante a estabilidade é o próprio funcionamento do sistema, a forma como ele é projetado, construído e operado. Resumindo, no mundo das Stablecoins temos as que são pareadas com moedas fiduciárias, com outras criptomoedas, com comodities e as que são estabilizadas “virtualmente” por meio de algoritmos. Daí surgiu uma variante de criptomoeda estável que foi batizada de Stablecoin algorítmica.

O que era e ainda é uma visão interessante de oferecer um conforto maior para quem se aventura neste universo passou de um processo de vinculação externa entre uma stablecoin (que é virtual por natureza) e um ativo físico como ouro para o lançamento de projetos baseados em si mesmo, sem vinculação com ativos externos, garantidos apenas e tão somente por algoritmos ou mecanismos que basicamente consistem num processo de duplicação de blockchain e de criptomoedas e/ou token, cunhando, queimando e negociando a Stablecoin e o token ou criptomoeda do segundo blockchain para estabilizar o preço no mercado.

As Stablecoin Algorítmicas

Este ponto é uma espécie de “pulo do gato” e ao mesmo tempo seu “calcanhar de aquiles”. É um “pulo do gato” porque não exige dos seus criadores algum tipo de aporte para aquisição e gestão de ativos externos e disponíveis no mercado (ouro, dólar, títulos de renda etc.). Em outras palavras, quem cria uma criptomoeda estável baseada em algoritmos pode emitir milhões ou bilhões de criptomoedas literalmente “do nada”, colocando um blockchain para funcionar. E mais do que isso, pode dizer que ela é do tipo estável e por causa disso “teoricamente” mais “segura”. Depois de algum tempo, caso ela se sustente e cresça os criadores podem se tornar donos de pequenas fortunas e podem até comprar outras criptomoedas mais conhecidas e até mesmo ativos como ouro e dólar para dar uma espécie de “garantia” adicional aos seus usuários. O “calcanhar de aquiles” é algo inerente a própria forma de concepção deste tipo de Stablecoin. Por ser um sistema fechado que garante a estabilidade a partir de mecanismos internos qualquer problema, seja ele de concepção, construção ou de operação pode ser fatal. Me parece que para algo deste tipo funcionar bem é preciso que o projeto, o funcionamento do sistema e a operação sejam simplesmente perfeitos. Uma vulnerabilidade qualquer no projeto, um problema que escapou na construção do sistema ou alguma questão que acabe gerando interrupção ou oscilação no fluxo de atividades desenvolvido para equilibrar a oferta e a demanda poderá ser fatal a ponto de derrubar tudo em poucas horas. Quem já idealizou, desenvolveu e/ou operacionalizou sistemas sabe bem o quanto é difícil criar e manter um projeto funcionando sem falhas.

Quando se fala em oferta e demanda é preciso entender a dimensão deste universo. No caso das criptomoedas quanto maior for o mercado maiores serão as chances desta criptomoeda crescer e ter alguma relevância. Por mais que o idealizador de um projeto veja sua criação como algo extraordinário e perfeito as demais pessoas do entorno irão comprar/revender e/ou interagir com alguma expectativa de retorno. Mineradores e negociantes de criptomoedas não entrarão neste negócio única e exclusivamente por causa da fé num projeto bacana, no fim do dia eles querem saber quanto lucraram e se poderão pagar suas contas. Com exceção das associações sem fins lucrativos as demais empresas são criadas para ter lucro. Num universo que tem cerca de 20 mil produtos semelhantes ou parecidos por que uma corretora de criptomoedas, um minerador ou um investidor vai ter fé numa criptomoeda a ponto de assumir prejuízo se existem milhares de outras opções disponíveis? Por melhor que seja um produto, qualquer comerciante vai querer revendê-lo única e exclusivamente se ele tiver demanda e der lucro. Você pode criar o melhor aplicativo do mundo, mas se no fim do dia ninguém se interessa por ele não vai adiantar muito. Um bom projeto de marketing pode dar um empurrão e até sustentar a sua existência por algum tempo, mas é preciso colocar dinheiro nisso.

Riscos das Stablecoins Algorítmicas

Parece que nós gostamos de esticar a corda mesmo sabendo que ela já está meio arrebentada. Se as primeiras criptomoedas estáveis nasceram vinculadas a ativos externos as criptomoedas estáveis do tipo algorítmicas não têm nenhum tipo de “lastro” de mercado. A estabilidade é “garantida” única e exclusivamente por mecanismos internos do sistema. Estes mecanismos, via de regra, são baseados em incentivos de arbitragem. Quando o preço cai um grupo de usuários tem que comprar para empurrar o preço de volta ao nível da estabilidade. Quando o preço sobe esse grupo de usuários tem que vender para trazer de volta o preço ao nível pré-definido. Geralmente o processo de compra inclui a “queima” da stablecoin e o processo de venda inclui a cunhagem de novas Stablecoins.

Outra característica deste tipo de stablecoin é a criar uma segunda criptomoeda ou token que é usada no processo de garantia da estabilidade. Esta segunda criptomoeda ou token geralmente não tem compromisso de estabilidade. Em alguns casos ela é emitida “livremente” por alguma entidade aberta pelos próprios criadores da stablecoin ou por um segundo blockchain. Nos casos em que é criado um segundo blockchain o grupo de usuários encarregado de manter e/ou garantir a estabilidade geralmente é composto por mineradores.

Não é à toa que boa parte das pessoas que conhecem e estudam criptomoedas manifestam algum grau de preocupação com estas criptomoedas de natureza algorítmica. Antes do caso LUNA o mercado já tinha visto algo parecido com o caso da stablecoin IRON que aconteceu em junho de 2021.

Um ponto de semelhança apontado entre os dois casos é a extrema velocidade com que os dois perderam a estabilidade e viram o valor da stablecoin chegar perto do zero.

Outro ponto que atrai os criadores deste tipo de criptomoeda estável é a capacidade infinita de emissão já que não existe a necessidade de se manter reserva líquida como dólar, títulos do governo americano, ouro etc. “fora do ecossistema” para honrar os possuidores da criptomoeda estável caso ela entre num processo de perda de valor. Por ironia uma criptomoeda que se diz estável e, portanto, deveria garantir pelo menos o seu “valor teórico de face” que geralmente é de 1 dólar não garante nem 1 décimo deste valor porque não tem nada em forma de reserva palpável.

O terceiro aspecto semelhante que geralmente este tipo de criptomoeda estável adota é a estrutura de 2 criptomoedas ou de 1 criptomoeda e 1 token criados em blockchains distintos.

O quarto aspecto geralmente costuma ser visto no início de um momento de crise. Quando o preço de uma criptomoeda estável começa a se desvincular da sua faixa de estabilidade de forma constante e contínua os criadores costumam apelar para a injeção de recursos próprios ou da própria entidade que criou a stablecoin para tentar estancar o processo de desestabilização. O problema é que os recursos geralmente não são suficientes e no máximo o preço ganha algum tempo de estabilidade, mas, não vai passar disso e logo o processo de queda vai continuar.

O quinto aspecto nasce a partir de uma condição essencialmente humana. Os criadores idealizam seu projeto e estabelecem alguns parâmetros que o mercado costuma testar. Uma dessas ideias é a de que o mercado não vai derrubar o preço para uma paridade muito abaixo da faixa de segurança, mas a prática já mostrou que essa paridade pode se transformar em poeira muito rapidamente. Ou seja, todo projeto que tem como um dos seus fatores de existência uma suposição disso ou daquilo não é exatamente algo que pode se sustentar de forma confiável.

O que explica a queda de preços de um produto, seja ele qual for, entre várias possibilidades é o excesso de oferta. No caso das Stablecoins o processo geralmente começa no token ou na criptomoeda criada em paralelo pelos idealizadores da Stablecoin. É um processo bruto que mais do que machucar geralmente mata. Com o preço caindo os possuidores começam a vender aumentando a oferta e o processo de perda de valor vai se retroalimentando. Acontece com ações e outros ativos. Quanto mais o preço cai mais volume é negociado e tudo vai ladeira abaixo. O algoritmo que deveria fazer a calibragem entre a stablecoin pareada com o dólar, por exemplo, na condição 1:1 entra em descompasso com a segunda criptomoeda ou token criado para manter a estabilidade via arbitragem porque não consegue acompanhar o ritmo. Não há algoritmo que sustente essa espiral da morte. Neste ponto as informações já se tornaram divergentes e não confiáveis. O pânico já se estabeleceu entre os possuidores deste ativo e estão atentos ao mercado.

E como costuma acontecer nestes momentos quem sai na frente não perde, e algumas vezes até ganha, e os que acordam mais tarde saem no prejuízo. Como neste universo a escala temporal é contada em questão de horas e minutos, muitas vezes, quando o cidadão médio acorda já é tarde. Um estudo feito no caso da stablecoin IRON mostra que grandes investidores saíram na frente liquidando suas posições.

De acordo com um paper que tem o título de BUILT TO FAIL: THE INHERENT FRAGILITY OF ALGORITHMIC STABLECOINS, em tradução livre “Construídos para Falhar. A Inerente Fragilidade das Stablecoins Algorítmicas” publicado pelo Dr. Ryan Clements, Professor Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Calgary e membro não residente do Duke Global Financial Markets Center as Stablecoins tem uma característica essencial, são frágeis por natureza. Neste paper ele argumenta que as Stablecoins tendem a falhar porque dependem de 3 fatores que são impossíveis de controlar: demanda contínua, agentes autônomos fazendo arbitragens em troca de incentivos para manter a estabilidade dos preços e disponibilidade de informações confiáveis sobre o preço da stablecoin algorítmica o tempo todo. Por causa da questão relativa à necessidade de existência de uma demanda contínua alguns chegam a comparar este tipo de stablecoin com um esquema de pirâmide.

I - Demanda Contínua ou Perpétua

De acordo com o paper toda Stablecoin algorítmica exige um nível mínimo de demanda para que o ecossistema continue funcionando. Se a demanda cair para um nível abaixo deste mínimo todo o sistema tende a falhar. A demanda tende a cair para níveis abaixo do mínimo em momentos de crise. Por mais que um produto seja essencial e não é o caso das criptomoedas e tampouco das Stablecoins, o nível de demanda pode oscilar por vários fatores: guerra, avanço tecnológico, pandemia etc. Se um produto depende de uma demanda contínua para sobreviver em algum momento ele entrará numa crise difícil de administrar. Afinal de contas, salvo uma ou outra exceção, quem garante que um produto terá uma demanda crescente e/ou contínua?

II - Arbitragem de Terceiros

O segundo fator citado pelo autor do paper são os agentes independentes encarregados de realizar o processo de arbitragem para garantir a estabilidade do preço. Depender de terceiros que em alguns momentos terão que arcar com prejuízo para manter o sistema estável é algo bastante temeroso e frágil, nada impede que tais agentes simplesmente abandonem sua função. Se um ecossistema depende da ação de terceiros fazendo operações de arbitragem para garantir a estabilidade do preço nada garante que em algum momento eles deixem de atuar. Este risco aumenta de forma brutal nos momentos de crise. É irônico observar que justamente nos momentos em que eles mais deveriam estar presentes é que possivelmente eles estarão ausentes. Num sistema aberto não há nada que obrigue um minerador a permanecer, mesmo que ele tenha obtido ganhos anteriormente, caso queira sair, ele vai sair sem pensar muito.

III – Necessidade ou Ausência de Informações Confiáveis

Sempre que uma crise se estabelece a qualidade das informações se torna pouco confiável. O aumento da confiabilidade é mais ou menos equivalente ao aumento das notícias (tanto negativas ou positivas) transitando pela internet e nas redes sociais. Fontes duvidosas, interessados diretos tentando influenciar o preço numa ou em outra direção, traders atarefados tentando atender as ordens de venda, usuários tentando acessar as plataformas das corretoras, efeito cascata e bolhas onde usuários se fecham em torno de uma esperança vaga de melhora etc. são várias coisas que surgem e tornam as informações cada vez menos confiáveis. Se já há alguma desconfiança quanto ao preço real das criptomoedas mais conhecidas o que dizer das que não são exatamente as mais negociadas e valorizadas do mercado em tempos de crise, quando a boataria corre solta e as redes sociais “fervem” para um lado e para outro. Uma notícia sobre uma grande corretora suspendendo resgate de alguma criptomoeda pode matar alguém do coração mesmo que não seja verdade e no fundo era apenas um boato. A falta de informações confiáveis também gera problemas para os agentes independentes encarregados de realizarem as arbitragens para garantir a estabilidade do preço. Sem informações confiáveis o agente fica sem saber se vai numa direção ou em outra e esta situação pode fazer com que ele não consiga atuar mesmo que querendo agir para garantir a estabilidade. No escuro ou baseado em informações erradas um minerador pode queimar tokens quando deveria estar cunhando a Stablecoin e vice-versa.

Conclusão

Não é preciso que todas as 3 condições aconteçam ao mesmo tempo ou numa sequência qualquer. A ocorrência de apenas uma delas já poderá desencadear o início do efeito cascata que vai derrubar todo o ecossistema da Stablecoin.

E como tudo isso poderia ser melhorado ou gerenciado de forma que se torne algo confiável, sirva como meio de pagamento não sujeito a volatilidade e por fim não seja frágil a ponto de sucumbir em poucas horas gerando prejuízo para muitas pessoas? Eu não tenho uma resposta pronta.

Estamos apenas no início de um processo de transformação do modo como lidamos/usamos o dinheiro. Eu acompanhei o surgimento do sistema de TED’s do lado de dentro, trabalhando e vendo o sistema começar e se consolidar. O PIX se tornou uma excelente plataforma de pagamentos e transferências derrubando a barreira do horário bancário para pagar e/ou receber. Vale dizer que o PIX surgiu por causa das criptomoedas e do seu sistema ininterrupto de funcionamento, mesmo que seus criadores não admitam. Na vida real o próximo passo deverá ser a implementação das moedas digitais oficiais, controladas pelos governos (CBDC).

Certamente TED, PIX e CBDC, todas concebidas e implementadas com carimbo estatal nem de perto são equivalentes as criptomoedas livres como Bitcoin. Eu não sei se o Bitcoin é meio de pagamento (por enquanto não é) ou é um ativo financeiro (por enquanto parece que é para muitas pessoas). Talvez ela possa ser as duas coisas ao mesmo tempo, se bem que acho um tantinho difícil que ele se consolide com esta dupla função devido a sua escassez. Entre a vida e a morte eu votaria no Bitcoin como ativo financeiro e não como meio de pagamento. Talvez alguma Stablecoin bem projetada, construída e operada possa ocupar este espaço virtual servindo como meio de pagamento com estabilidade garantida de uma forma mais segura e confiável.

No fundo eu acredito que as pessoas devem ser livres para acreditar naquilo que quiserem e naquilo que elas acharem boas para si e para as pessoas próximas.

O problema todo está no fato de que existem pessoas muito interessadas em oferecer coisas que não são exatamente confiáveis ou boas para você e para os que te cercam. Algumas pessoas têm um poder de convencimento acima da média ao passo que grande parte das pessoas lutam pelo pão de cada dia enquanto sonham com uma vida melhor. Quando estas duas pessoas se encontram sempre haverá o risco de a parte mais frágil sair pior (ou muito pior) do que estava antes do encontro. E vale dizer que muitas vezes o portador que liga um e outro estava bem-intencionado achando que estava fazendo uma coisa boa para a outra pessoa. Só que não estava.

Link para o paper do Ray Clements: Built to Fail: The Inherent Fragility of Algorithmic Stablecoins by Ryan Clements :: SSRN

Concordo que é um tanto quanto contraditório usar uma criptomoeada para ter uma fiat, sendo que na verdade nem dono do ativo que dá o lastro o detentor da criptomoeda será, mas vejo tudo isso como um estágio de transição, unindo um pouco dos 2 mundos, trazendo vantagens e desvantagens dos dois lados.

Da mesma forma, muitos de nós ainda utilizamos exchanges centralizadas, contrariando todo fundamento anarco-captalista original, mas são fases que acredito que todos deveriam passar até amadurecermos o suficiente a ponto de dominar algo tão disruptivo.

Apesar de todas as contradições, uma USDT, BUSD ou USDC da vida ainda são bem eficientes no quesito, “se posicionar em dollar”, onde você pode fazer isso de maneira rápida e com baixas taxas. Claro que existe o enorme risco da confiança na instituição detentora do lastro, mas por ora, confiar em instituições e ativos tangíveis, ainda é muito mais intuitivo do que confiar em um sistema que ninguém manda e em uma moeda que só existe no mundo virtual. Sem contar que por mais bitcoin-maximalista que um indivíduo possa ser, ainda assim ele ainda fará uso de uma fiat, e deixará seu dinheiro em um banco ou em algum tipo de investimento tradicional, pois hoje, só de bitcoin não conseguiríamos sobreviver.

Concluindo: se o seu país tem uma moeda fraca e com restrição de cambio e se de quebra o cenário das criptos também está absurdamente pessimista, vejo que faz sentido alguém montar uma posição em uma stable de dollar e deixá-lo como reserva de oportunidade para uma futura aquisição de outra cripto.

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Quanto às stables algorítimicas, nestas realmente não tenho mais nenhuma confiança, primeiro pela complexidade do funcionamento e segundo pelo desastre da UST.

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