Relações Perigosas Envolvendo Cassinos, Apostas e Jogos On-line

Não é de hoje que saem notícias sobre a proximidade ou até mesmo a possível utilização de cassinos, apostas e jogos online para lavagem de dinheiro. A grande maioria dos países tem a sua definição legal e a nossa diz o seguinte: Art. 1º da Lei 9.613/1998 – Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Outros países chamam de branqueamento de capitais, reciclagem de dinheiro ou em inglês money laundering (ou AML – Anti-Money Laundering).

Os participantes desse jogo incluem atores clássicos como as organizações criminosas tentando legalizar receitas e até mesmo países como a Coréia do Norte, possivelmente o país que nos últimos tempos é o mais citado quando se fala no uso de ataques cibernéticos para desviar criptomoedas.

Além dos cassinos, apostas e jogos online existem outros meios bastante utilizados para lavagem de dinheiro, tais como negociação de metais e pedras preciosas, imóveis, empresas de fachada etc. que não são foco deste texto.

Considerando a possível legalização dos jogos de azar (“legalmente” proibida no Brasil desde 1946) com liberação de jogos de cassino, bingo, videobingo, jogos on-line, jogo do bicho e aposta em corridas de cavalo deixamos registrado por aqui apenas alguns pontos sensíveis desse tema.

Junkets x Criptomoedas

O objetivo aqui não é esgotar todos os perigos ou riscos decorrentes da futura e provável regulamentação dos jogos de azar. Tampouco estamos estampando uma posição contrária ou favorável ao tema. Nosso foco aqui é apresentar uma rápida ideia do que são os junkets. Como se estruturam e como agem dentro de um cenário onde os cassinos físicos estão operando. Também apresentamos alguns dados divulgados pela Receita Federal a respeito do volume de negociação de criptomoedas no Brasil.

Os Junkets

Entre outras traduções a palavra junket significa viagem, festa e piquenique. Em princípio um junket age como uma espécie de “organizador de eventos” aproximando um grupo de pessoas com um cassino. Como regra, ninguém trabalha de graça e o junket ganha uma comissão pelo seu trabalho. Os “acordos” entre cassinos e junkets vão muito além da simples intermediação entre duas partes, quem quer apostar e quem quer receber estes apostadores nos seus estabelecimentos. Os junkets prestam “outros serviços” tais como emprestar dinheiro, cuidar da hospedagem direcionando para certos hotéis, cuidar do transporte, levar para restaurantes e lojas de luxo etc. Outro aspecto do serviço envolve atividades menos “nobres” como intermediação com serviços de prostituição, fornecimento de drogas e até mesmo a cobrança de dívidas.

A atividade de junket é abrangente a ponto de existir uma cadeia de atividades estruturada de forma empresarial. Na base da pirâmide atuam os colaboradores que prospectam potenciais clientes no chão de fábrica, ou melhor, nos carpetes dos salões de jogos. Sua tarefa é conduzir esses possíveis e futuros integrantes da carteira de clientes para uma sala VIP. Num patamar acima estão os sub-junkets ou parceiros dos grandes operadores, que tem acesso ao topo da cadeia deste sistema e que fazem a seleção dos potenciais clientes que podem se tornar grandes apostadores. No topo da cadeia estão os operadores ou junkets promoters que tem acordo com os cassinos onde são autorizados a operar.

Com a provável implementação dos jogos no Brasil fomos olhar o que poderá ser a base legal que regulamentará a atividade de jogos de azar no país, o projeto de Lei 2234/2022 que está tramitando no Congresso Nacional. Salvo engano não encontramos nada prevendo ou regulamentando a atividade dos junkets, que vale ressaltar, poderá ser feita posteriormente. O mais próximo que encontramos na redação do projeto de lei é o que consta no art. 75 e no parágrafo primeiro, que transcrevemos literalmente, com negrito nosso: “Art. 75. Sem prejuízo de outros deveres que lhe sejam impostos pelo órgão de regulação e supervisão federal, a entidade operadora de jogos e apostas deverá manter, em suas dependências, serviço presencial de atendimento aos jogadores e apostadores, destinado ao esclarecimento e a orientações, bem como ao recebimento de reclamações. § 1º O atendimento de que trata este artigo será prestado por profissionais especificamente treinados e certificados para esse fim, vedada a utilização de funcionários que atuem concomitantemente na oferta, na promoção, na divulgação ou na realização dos jogos e apostas”. Aparentemente o artigo tem como objetivo a relação empregado x empregador e não trata da possível atuação dos junkets, que em tese não serão funcionários com carteira assinada.

Numa leitura rasa e superficial, em princípio a atividade do junket parece proibida. Na prática, assim como a atividade de cambista (em princípio aquele que negocia ou faz cambio de dinheiro, mas é o nome dado a quem revende ingressos para eventos em geral com grande procura/demanda e pouca disponibilidade/oferta) é proibida, mas é exercida quase livremente nos grandes eventos esportivos. Basta uma rápida olhada nas redes sociais para encontrarmos ofertas de ingressos no mercado paralelo. No mundo real, onde há mais demanda do que oferta, sempre haverá pessoas dispostas a atuar num mercado desbalanceado. Nada garante que os junkets não irão atuar se e quando os cassinos vierem a ser implementados no Brasil. Pelo contrário, antes do momento em que as portas dos cassinos brasileiros se abrirem, os junkets já estarão atuando e seus clientes certamente estarão presentes no dia da inauguração.

A provável atuação dos junkets, possivelmente de forma não oficial, se torna ainda mais real quando se constata que o projeto de lei que tem objetivo de regulamentar os jogos de azar veda a concessão de empréstimos (art. 56, inciso VIII – a proibição da concessão, pelos estabelecimentos, de empréstimos, sob qualquer modalidade) sendo que os estabelecimentos são os cassinos. Sendo vedado aos cassinos a concessão de empréstimos a atividade acabará sendo executada por terceiros que estarão participando do ecossistema, o candidato natural para exercer essa atividade é a figura do junket, pela proximidade/intimidade que terá com o grupo de pessoas que estará conduzindo de um lado para outro, como já ocorre nos lugares onde eles atuam.

Em poucas palavras, uma atividade perigosamente exercida entre a legalidade e a ilegalidade, separada por alguns poucos milímetros.

Criptomedas

Entre outros meios de movimentação de recursos utilizados pelos junkets as criptomoedas exercem um papel de considerável relevância, entre outros fatores em função da facilidade de movimentação entre fronteiras. Um grande apostador, localizado num país qualquer, pode transferir uma quantidade considerável de criptomoedas para um junket que garantirá para este apostador o montante equivalente em créditos para apostas sem necessidade de movimentação de grandes volumes de dinheiro físico. Nem sempre todo o valor alocado pelo apostador vai ser “torrado” nas apostas. A diferença entre os ganhos e perdas podem ser ajustados e liquidados posteriormente após o retorno do apostador ao seu país de origem com a eventual devolução das criptomoedas para o apostador. Entre as opções disponíveis para evitar o rastreamento da movimentação o apostador pode entregar ao junket uma carteira física junto com a chave de acesso para evitar o trânsito das criptomoedas entre contas no Blockchain. Nas operações em que há transferência de criptomoedas entre contas, geralmente a conta origem está transferindo criptomoedas que passaram por um processo gigantesco de mixagem (processo que tenta esconder a origem e o destino de criptomoedas por meio da realização de diversas transferências).

A criptomoeda que merece especial atenção é o Tether (USDT). Para termos uma ideia do cenário basta compararmos com o Bitcoin (BTC). Em julho e agosto de 2024 a Receita Federal relatou a realização de 2.625.164 operações que totalizaram R$ 4.267.692.797,72 e 2.375.071 operações que totalizaram R$ 5.186.204.861,30 envolvendo bitcoins. Os números envolvendo as negociações de Tether (USDT): em julho foram 696.674 operações que totalizaram R$ 20.132.621.262,81 e 714.558 operações que totalizaram R$ 16.420.275.869,69. O dado que salta aos olhos é a diferença na quantidade de operações que por consequência reflete no valor médio por operação. Enquanto o BTC registra mais de 2 milhões de transações com um valor médio na casa dos mil a dois mil reais no mesmo período o Tether registrou um valor médio de 28 e 22 mil reais. A diferença é gritante, em todos os sentidos, na quantidade de operações, no valor total negociado e no valor médio por operação. Em resumo, enquanto as transações com Bitcoin são pulverizadas as negociações de Tether são concentradas.

A paridade com o dólar e a facilidade de movimentação de uma criptomoeda em relação a uma eventual movimentação física dos dólares é bem atraente para quem precisa movimentar recursos principalmente entre fronteiras. Existe a possibilidade de movimentar dólares usando operadores nas duas pontas, mas estes terceiros cobrarão suas taxas e sempre há um risco quando se utiliza o serviço de terceiros. Enquanto isso as criptomoedas podem ser transferidas diretamente entre as partes.

Um aspecto que vale a pena ficar atento com a futura e provável legalização dos jogos de azar no Brasil será o eventual incremento nos já elevados volumes de negociação de Tether a partir dos registros da Receita Federal.

O que é Junket (em relação ao mundo dos cassinos):

Projeto de Lei 2234/2022:
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9191834&ts=1729589916742&disposition=inline

Mixers de criptomoedas:

Tether:

https://br.cointelegraph.com/news/brazilian-federal-police-are-investigating-usdt-users