Uma Sentença Dura Sobre Pirâmide Financeira

Ações judiciais envolvendo possíveis “pirâmides financeiras” tem sido ajuizadas com frequência exigindo que a justiça se manifeste a respeito. Uma destas manifestações (sentença) ocorreu em São Borja, estado do Rio Grande do Sul. Invertendo a ordem tradicional colocaremos a fonte logo no início. A primeira é bem resumida e a segunda, do site “livecoins” traz uma análise mais detalhada abordando vários pontos específicos da sentença. Para quem quiser conferir direto na fonte, também colocamos o link para a sentença judicial, na íntegra, que está disponível no site do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul. Transcrevemos mais abaixo, também na íntegra porque é elucidativo e vale o registro além de servir como alerta, para quem se interessar. Tanto as petições elaboradas pelos advogados como as sentenças (decisões) dos juízes exigem o cumprimento de alguns requisitos. Na sentença o Juiz precisa fazer um breve resumo da ação (para demonstrar que leu o pedido) e precisa expor que o autor da ação quer obter pela via judicial. A sentença (decisão) tem que se manifestar sobre tudo que foi pedido na petição. As decisões sobre cada item pedido são embasadas em artigos de lei, na jurisprudência de Tribunais Superiores e na Doutrina (livros). Decido assim ou assado porque o artigo n. xx da Lei n. xx é muito clara a respeito conforme transcrevo a seguir… ou conforme jurisprudência do STF na sentença dada em xx/xx/xxxx no processo n. xx pelo Sr. Ministro xxxx etc. decido que…

https://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc
obs.: é preciso selecionar São Borja, copiar e colar o n. do processo que tem abaixo para pesquisar.

=========Transcrição da sentença na íntegra:========

“Juízo: Vara do JEC - São Borja

Processo: 9001111-47.2019.8.21.0030

Tipo de Ação: Responsabilidade do Fornecedor :: Indenização por Dano Material

Autor: ----------------------

Réu: UNICK SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS LTDA. e outros

Local e Data: São Borja, 28 de janeiro de 2020

S E N T E N Ç A

VISTOS, ETC.

Em apertadíssima síntese pretende, a parte autora, a condenação das requeridas em decorrência das aplicações realizadas na UNICK e outras. Requer, em resumo: 1) O deferimento imediato da TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA, com o bloqueio do valor investido pelo Requerente, descontados os saques, no montante total de R$xxx , via BACENJUD e RENAJUD em nome dos Requeridos; 2) Julgar TOTALMENTE PROCEDENTE a ação, para fins de: (d).1. O CUMPRIMENTO DO CONTRATO, nos exatos termos da propaganda/promessa/contrato, com a devolução do valor aplicado de forma dobrada; (d).2. Como pedido secundário, caso não acolhido o pedido anterior: (d).2.1. Que se faça a RESCISÃO DO CONTRATO de Prestação de Serviços de Gerenciamento de Compra e Venda de Ativos Criptográficos firmado entre as partes; (d).2.2. A condenação dos Réus ao imediato RESSARCIMENTO DO VALOR aportado pela Requerente, que deverão ser atualizados e corrigidos monetariamente desde as datas dos efetivos pagamentos; (d).1.3. A condenação dos Requeridos em DANOS MORAIS, com a fixação do quantum de 10% (dez por cento), do valor a ser devolvido; secundariamente, o valor de 10 (dez) salários mínimos. (e) A concessão do benefício da AJG – Assistência Judiciária Gratuita integral.

DECIDO.

Estou por julgar extinto o feito, ante a manifesta falta de interesse de agir da parte autora, ex vi do art. 485, VI, do NCPC.

Existe um brocardo em latim que afirma: “nemo turpitudinem suam allegare potest/oportet” que, em tradução livre significa: “a ninguém é lícito beneficiar-se de sua própria torpeza” .

Com efeito, embora o art. 3º, da LINDB (Decreto-Lei n.º 4.657/ 1942) estabeleça que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, a Lei da Usura – de 07 de abril de 1933 já estabelecia a limitação dos juros nos contratos.

Em relação aos BANCOS, conforme verbete sumular n.º 379, do STJ, “nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês”.

Segundo se extrai do site do Banco Central , nas dívidas de pessoa física – cheque 1 especial – os juros dos BANCOS variam de 2,5% a 15,08% ao mês.

O Banco Central também informa que o rendimento da poupança – que é calculado de acordo com a taxa de juros (SELIC e TR), é de aproximadamente 0,258800% ao mês.

A internet, por sua vez, é lotada de sites sugerindo os melhores investimentos a curto (rendimento mensal) e longo prazo (prazo de 3, 6, 9, 12 meses, até 20 anos).

Ou seja, existe uma média de cobrança de juros no caso das dívidas, mas também existe uma média de remuneração no caso das aplicações. Em nenhum desses sites existe a promessa de ganhar entre 1,5% a 3% AO DIA e de DOBRAR O CAPITAL EM SEIS MESES .

Aí entra outro conhecido ditado: “quando a oferta é demais, até o santo desconfia”

Atraída a parte pela ganância de dobrar o capital em 06 (seis) meses, uma vez que o rendimento mínimo seria de 45% ao mês, na pior hipótese, e de 90% ao mês, na melhor hipótese, optou por entregar seu capital a uma empresa desconhecida chamada Unick Forex, depois chamada de Unick Academy.

Ocorre que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais no país, já havia emitido três alertas de irregularidades sobre a Unick desde agosto de 2018, alterando a existência de indícios de pirâmide financeira , estrutura ilícita que é por TODOS conhecida e configura crime contra a economia popular, consoante Lei n.º 1.521, de 26 de dezembro de 1951 .

Ou seja, com a devida vênia a parte autora, com todos os recursos que se tem na internet, com todas as ferramentas de pesquisa existente em mãos, com todas as informações diárias disponíveis nos jornais impressos, virtuais e televisivos sobre fundos de investimentos, taxa de juros e afins, na expectativa de GANHO FÁCIL - anuíu consciente e voluntariamente por participar desse verdadeiro jogo no mercado ilegal de criptomoedas /bitcoins, aposta essa que não obriga ao pagamento, na precisa redação do art. 814 do Código Civil.

Observe que a parte autora aderiu ao jogo/aposta da UNICK após a divulgação do Ato Declaratório N.º 16.169, de 19 de março de 2018 , da Comissão de Valores Mobiliários, alertando sobre a captação irregular de clientes e, sobretudo, que a UNICK não estava autorizada pela CVM .

Aliás, a ganância é tanta que, mesmo sabedora da fraude financeira e de toda a repercussão, a parte autora ainda pede o cumprimento da oferta , ou seja, quer que o Estado torne legal a oferta ilegal e, principalmente, que a equipare a consumidora.

Assim, não há como desconsiderar que a entrega de numerário realizada referem-se a jogos /apostas, o que – como dito – não são exigíveis , ex vi do art. 814 do Código Civil.

Ora, se os valores de jogo ou de aposta ilegais não obrigam a pagamento, não possui a parte autora interesse de agir em requerer a devolução do numerário, muito menos de exigir indenização por dano moral para reparar suas próprias indevidas condutas.

É o fim dos tempos!

Apenas a título de esclarecimento, uma vez que tal fundamentação integraria o mérito da demanda, trago à baila as significativas lições do insigne Desembargador Odone Sanguiné, que assim disciplinam:

Destaco que, para que se configure o direito à indenização pleiteado, devem estar presentes os três pressupostos indispensáveis, é dizer, conduta ilícita, nexo causal e resultado danoso. A partir disso e dos elementos constantes nos autos, verifica-se que o requisito indispensável para a configuração da responsabilidade civil não restou demonstrado pela parte demandante, qual seja, o dano, o prejuízo, sendo que este encargo probatório lhe cabia.

Acerca da conceituação de dano, vale trazer à baila o ensinamento de Sérgio Cavalieri Filho: “O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano (…) Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir .” 2 (Grifou-se).

Assim, para que houvesse o dever de indenizar, indispensável a demonstração efetiva do dano, o que não ocorreu no caso em comento.

Com efeito, nada restou demonstrado nos autos acerca dos danos morais supostamente experimentados. Sendo assim, não verifico a configuração de dano moral, mas sim mero dissabor, desconforto ou contratempo a que estão sujeitos os indivíduos nas suas relações e atividades cotidianas. Inoportuno considerar-se qualquer espécie de descontentamento ou aborrecimento incidente na esfera psíquica como suficiente ao reconhecimento do dano moral, sob pena de deturpação do instituto. Para caracterização do dano moral imprescindível ficar adstrito à lógica do razoável, ou seja, para que se possa imputar ao agente causador do dano a responsabilidade de reparar, o dano tem que defluir na seara da anormalidade, fugindo ao que possa ter por cotidiano.

O Poder Judiciário deve sempre buscar a paz social, mediante a composição das lides, considerando relevantes situações que, no plano fático, assumam proporções capazes de justificar o reconhecimento da responsabilidade civil por dano moral e sua conseqüente reparação pecuniária.

Neste trilho, corroboro a lição doutrinária de Sérgio Cavalieri Filho 3 , exarada nos seguintes termos: “(…) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüência, e não causa.”

Sobre a caracterização do dano moral, assinala com propriedade o autor Sílvio De Salvo Venosa 4 no sentido de que infortúnios comuns não estão a merecer a configuração de prejuízos ao patrimônio moral da parte: “Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bônus pater famílias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal.” (Grifou-se).

Com efeito, o dano moral somente ingressará no mundo jurídico, gerando a subseqüente obrigação de indenizar, quando houver alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Assim, inexiste dano moral ressarcível quando o suporte fático não possui virtualidade para lesionar sentimento ou causar dor e padecimento íntimo.

Como já dito e repito, é o fim dos tempos!

A parte autora, sabedora que a POUPANÇA não chega a 0,5% de rendimento ao mês, quis apostar numa empresa desconhecida que ofertava rendimentos de 1,5 a 3,% ao mês e, com isso, perdeu o que investiu, não há que se falar em indenização de ordem moral. Deveria ter vergonha de tornar público que caiu no conto do vigário…

Já em 12/11/2017 havia site informando que a UNICK era uma fraude: https://tenhodividas. com/unick-fraude-alerta, ocasião em que informou:

“ Não seja o próximo OTÁRIO a cair na fraude UNICK. Golpe promete pagar entre 1,5% a 3% por dia. Não existem provas do Trading Forex, Trading Esportivo ou Trading Bitcoin. Novo golpe dos golpistas da PHONER. CUIDADO!

A UNICK é mais um ESQUEMA PONZI, no nosso radar de fraudes. É uma cópia das fraudes I7 GROUP e PROSPERITY CLUBE… que já quebraram. Dizem fazer Trading de Bitcoin, Trading Forex e Trading Esportivo… mas… não existem provas, como seria de esperar.

O que esperar de golpistas que voltaram para aplicar um novo golpe?

Vamos ser sinceros com você. Ao contrário dos PIRAMIDEIROS da UNICK… não ganhamos por mentir e poderíamos ser processados. Eles… pelo contrário… vão mentir bastante, para lhe roubar o dinheiro de forma legítima. Quando quebrar… vão dizer que ninguém lhe forçou a entrar… mas… esquecem-se que mentiram. Quem está no topo do golpe vai ganhar, quem está abaixo vai perder tudo. Ao fim de alguns meses vai quebrar e inventar novas mentiras. A história vai se repetir!

Lembre-se! Somos gurus de Pirâmides Financeiras. Todas as PIRÂMIDES têm medo e algumas até inventam processos na justiça contra o site TenhoDividas.com. Se conseguissem ganhar entre 1,5% a 3% por dia… não precisariam do seu dinheiro. Estariam milionários e a viajar por todo o mundo.”

Nos dias de hoje, em que tudo é jogado no “google”, é imperdoável a conduta da parte autora!

Ademais, não informou detalhes de situação “humilhante e vexatória” que afirma ter passado, revelando que a presente demanda, realmente, não passa de uma aventura jurídica.

Sob este contexto fático, há evidente falta de interesse de agir.

Aliás, sobre o interesse de agir manifesta-se a doutrina de MOACYR AMARAL SANTOS : 5 “ Diz-se, pois, que o interesse de agir é um interesse secundário, instrumental, subsidiário, de natureza processual, consistente no interior ou necessidade de obter uma providência jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na pretensão. Basta considerar que o exercício do direito de ação, para ser legítimo, pressupõe um conflito de interesses, uma lide, cuja composição se solicita do Estado. Sem que ocorre lide, o que importa numa pretensão resistida, não há lugar à invocação da atividade jurisdicional. O que move a ação é o interesse na composição da lide (interesse de agir), não o interesse em lide (interesse substancial).”

Também comunga deste entendimento, citando a lição de Chiovenda e Calamandrei, Celso Agrícola Barbi , que arremata que o interesse de agir está ligado à necessidade e utilidade 6 do processo: “

O tempo e o trabalho dos órgãos jurisdicionais não devem ser gastos quando sua atividade não for necessária à proteção de um direito. Deve-se considerar que um dos problemas quase universais é o da morosidade dos serviços judiciais; e essa demora decorre geralmente do grande número de causas. Assim, para atendimentos dos que realmente necessitam da proteção judicial, deve-se afastar a pretensão dos que poderiam realizar seu direito sem a intervenção daqueles órgãos”

Ademais, como é por todos sabido, aqueles que aplicaram seu dinheiro na pirâmide ilegal não são vítimas, uma vez que a única vítima é todo o Sistema Financeiro Nacional que, nos termos do art. 192 da Carta de Outubro: “O sistema financeiro nacional, estruturado deforma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram” .

Isso posto, julgo extinto o feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC.

Por fim, INDEFIRO a gratuidade judiciária postulada.

Com efeito, quem possui dinheiro sobrando para “colocar” nesse tipo de pirâmide financeira, certamente não condiz com a figura de hipossuficiente, pobre, necessitado, especialmente em razão ao valor aplicado.

Custa pela parte autora.

Não interposta a apelação, intime-se o réu do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 241.

Interposta a apelação, em juízo de retratação, mantenho a sentença pelos próprios fundamentos, ocasião em que determino a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.

Nesse caso, com ou sem resposta, remetam-se os autos à egrégia Turma Recursal Cível do RS.

Nada sendo requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

1 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuros/?path=conteudo%2Ftxcred%2FReports% 2FTaxasCredito-Consolidadas-porTaxasAnuais.rdl&nome=Pessoa%20F%C3%ADsica%20- %20Cheque%20especial&parametros=tipopessoa:1;modalidade:216;encargo: 101&exibeparametros=false&exibepaginacao=false

2 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo : Atlas, 2007. p. 70.

3 Op. Cit. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, p. 80.

4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 33.

5 Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 1990, Vol. I, p. 167.

6 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ªed., Rio de Janeiro: Forense, Vol. I, p. 23.

São Borja, 28 de janeiro de 2020

Dr. Luciano Bertolazi Gauer - Juiz de Direito”

========= Fim da transcrição da sentença =============

Para os que eventualmente não se deram ao trabalho de olhar a notícia e/ou não leram a sentença acima, faço um pequeno resumo, sem expressar opinião pessoal ou deste fórum. Quem sou eu para avaliar decisão judicial (decisão judicial se cumpre ou se recorre) ou julgar atos e fatos praticados por outras pessoas (autor da ação), deixo isso para os Juízes que são muito bem pagos para isso. A lição mais importante neste caso é o fato de que existem fartas notícias sobre “pirâmides financeiras” que deveriam servir de alerta para as pessoas. Pode ser uma possível tendência (não sei se vai ser ) o fato de que quanto mais ações começarem a ser ajuizadas sob alegação de que foram enganados por promessas de ganhos muitas vezes maiores do que os oferecidos pelos Bancos em geral, os Juízes passem a decidir em desfavor de quem perdeu dinheiro acreditando neste tipo de promessa, como é o caso da sentença acima. A sentença pode até ser considerada dura/cruel e a pessoa realmente pode até ter sido enganada, ou pode ter acreditado em tudo que foi prometido. Um das piores sensações acontece no momento em que percebemos que fomos enganados. Se envolve dinheiro e muitas vezes muito dinheiro até emprestado ou com origem na venda de bens da família dói mais ainda. Esse talvez seja um dos lados perversos da disrupção que está acontecendo nos meios de comunicação tradicionais (jornais, revistas, etc.) que estão sendo substituídos por milhares de blogs, fóruns, vlogs, cursos para ficar rico em pouco tempo, dicas para ganhar 1 milhão em alguns meses, etc. com especialistas nascendo mais do que capim na roça. Num país onde a educação básica já é deficiente o que esperar no campo da educação financeira senão alguns ou muitos desastres/prejuízos. Entre as coisas que mais mexem com a nossa vida está a perda ou o ganho de dinheiro, para o bem e para o mal. Enquanto muitos sonham com a riqueza fácil sem muito esforço ou sacrifício e de forma rápida outros se preparam para pegar o que estas pessoas tem ou até mesmo não tem. O que o Estado precisa fazer e acho que está devendo, sob o aspecto penal, é investigar/apurar e se for o caso, mandar para a cadeia os eventuais infratores da lei. O que a justiça não pode e não consegue é fazer chover toda vez que um pagé faz a dança da chuva. Sendo uma decisão de primeira instância cabe recurso podendo até ser revertido em segunda instância, mas até aqui é um retrato do que pode vir a ser a visão da justiça para quem acha que existe um jeito fácil de ficar rico em pouco tempo.

Vamos ao nosso resumo, primeira observação refere-se ao que foi pedido pelo autor da ação: o cumprimento do que foi prometido na propaganda com devolução em dobro do valor “aplicado”. Além disso pede a devolução do valor acrescido de correção monetária e por fim o benefício da justiça gratuita que foi criado para atender pessoas com baixa renda familiar e por isso não tem condições de arcar com as custas do processo e com honorários do advogado sem comprometer o sustento da família.

Logo de início fica claro qual será a linha de raciocínio quando ele cita uma espécie de provérbio que no mundo jurídico é chamado de “brocardo” que diz o seguinte: “a ninguém é lícito beneficiar-se da sua própria torpeza”. Em seguida expõe uma série de dados sobre os rendimentos pagos pelos Bancos em geral, como por exemplo na poupança, citando nominalmente as taxas praticadas pelo mercado oficial e pergunta se algum deles oferece algum tipo de remuneração de 1,5% a 3,0% ao dia ou dobrar o capital em seis meses, finalizando com outra frase que eu conheço como: “quando a oferta é muita até o santo desconfia”, onde ele troca esmola por oferta, mas dá na mesma. Seguindo o Juiz diz que alertas da CVM sobre a empresa acusada se repetiam, que as taxas são oferecidas pelos fundos de investimentos e taxas de juros são divulgadas em canais de televisão, sites, etc. e mesmo assim o autor da ação escolheu voluntariamente fazer “aposta” em bitcoins / criptomoedas na expectativa de ganho fácil. Mais do que tudo isso o autor da ação pede ao Juiz, que o Estado torne legal uma oferta ilegal, fazendo com que a empresa demandada cumpra o que prometeu, dizendo que isso é ganância. Para o Juiz “é o fim dos tempos”. Mais adiante diz o Juiz que o autor da ação, sabendo que a poupança não chega a pagar 0,5% ao mês apostou numa empresa desconhecida que prometia pagar de 1,5% a 3,0% ao mês (acredito que o Juiz quis dizer ao dia) e ainda quer receber indenização por dano moral quando na realidade deveria ter vergonha de tornar público que caiu no conto do vigário. Diz ainda o Juiz que tendo o Google disponível aventurar-se em pirâmides financeiras, perder dinheiro e ainda acionar a justiça não passa de aventura jurídica. Quanto ao benefício da justiça gratuita (criada para os realmente pobres) disse o Sr. Juiz que alguém que tem dinheiro para “apostar” em criptomoedas não pode alegar pobreza cabendo o pagamento integral das custas e despesas processuais.