Quem já leu um paper de alguma criptomoeda sabe como elas são feitas. Geralmente são criações que visam se tornar maiores e melhores do que outro projeto semelhante. Um exemplo claro e concreto desse tipo é o Ethereum que nasceu basicamente para fazer coisas que o Bitcoin não faz. De todos os projetos que vieram depois o Ethereum é aquele que tem se mostrado mais consistente e resiliente, que tem uma excelente equipe de desenvolvedores trabalhando nele, aliás como trabalha essa gente que desenvolve o Ethereum.
Desde que o Bitcoin foi criado lá em 2009 já surgiram diversas alternativas propondo melhorias e querendo equacionar “problemas” do Bitcoin, tais como a volatilidade, tamanho dos blocos, demora para mineração/processamento das transações, alto consumo de energia com uso do PoW – Proof of Work, “falta de lastro” etc.
Um destes projetos nasceu em abril de 2019, na Ásia, pelas mãos de Do Kwon e Daniel Shin e trouxe como principal objetivo criar uma criptomoeda estável (stablecoin) que não sofreria oscilações nos preços como acontece com o Bitcoin. A stablecoin TerraUSD nasceu ligada a um token chamado de Luna e ambos fazem parte do ecossistema Terra e rodam no mesmo Blockchain Terra. Um fato que me pareceu novo (talvez porque eu não acompanho outras criptos além do Bitcoin) é o fato deste projeto poder criar várias stablecoins não se limitando a apenas uma. Além do TerraUSD poderiam nascer outras stablecoins como TerraEUR, TerraSDR etc (sobre SDR veja a observação [06] mais abaixo). Junto com tudo isso também foi criado uma fundação, a LFG - Luna Foundation Guard, que também existe em outros projetos deste tipo. Além disso há incentivo para criação de aplicativos descentralizados (dApps) baseados nesta plataforma, dos quais possivelmente o “Anchor” seja o mais conhecido deles. Falando nisso e como não sei nada sobre Finanças Descentralizadas ou Defi não vou me arriscar ou tocar no assunto, mas me parece que a ideia de deixar criptomoedas depositadas (bloqueadas) por algum tempo para receber rendimentos como se estivessem depositados num banco tradicional a título de “investimento” ou para ter “renda passiva” me parece bem arriscado neste mundo virtual e sem fronteiras.
No link abaixo é possível entender um pouco como funciona o aplicativo Anchor:
No link abaixo é possível entender um pouco sobre o que é renda passiva com criptomoeda, processo conhecido como staking:
Os links acima foram postados única e exclusivamente para fins de leitura e entendimento que é necessário para melhor compreensão do funcionamento do ecossistema Terra, ou seja, não se trata de indicação, sugestão ou recomendação de investimento nesta modalidade.
Outra novidade (para mim) é o fato de ser possível criar uma stablecoin sem “lastro” ou garantia física (moedas como dólar ou euro, metais preciosos como ouro ou prata, comodities como petróleo etc.). Quando as stablecoins surgiram elas tinham como principal atrativo a “garantia” de que estaria depositado em algum lugar quantia equivalente de um “lastro” na paridade de 1:1 com a stablecoin. Para minha surpresa já estamos numa época em que a estabilidade é garantida por algoritmos (virtualmente). Falar depois que algo acontece é fácil, mas para alguém que não entende nada de programação e muito pouco deste universo das criptomoedas não me pareceu coisa boa.
O site coinmarketcap lista um total de 34 criptomoedas e tokens ligados ao ecossistema Terra que você pode conferir no link abaixo:
Até o dia em que esta postagem é publicada ainda não se sabe ao certo por qual motivo o projeto desandou e a estabilidade acabou se desestabilizando. Basta fazer uma pesquisa no Google para encontrar notícias das mais variadas ou se preferir no YouTube onde existem vários vídeos explicando ou tentando explicar o que aconteceu. Vai do seu gosto e do seu viés. Nessas horas os “conspiras” fazem a festa pelo mundo afora, veja um pouco mais sobre isso no link abaixo:
A notícia mais recente divulgada por Do Kwon, um dos fundadores, é uma proposta de bifurcação da rede que foi batizado de “Terra Ecosystem Revival Plan 2”. Caso queira dar uma olhada no plano o link segue abaixo:
Como eu já disse outras vezes e não me canso de repetir, por aqui tentamos olhar por um ângulo diferente porque coisas iguais tem aos montes por aí. Então resolvemos dar uma olhada no white paper do projeto para ver o que estava escrito nele. O paper foi traduzido meio ás pressas caso você tenha alguma dificuldade com a língua inglesa. Deixamos o link para o texto original, como sempre, para que você confira diretamente na fonte caso tenha alguma dúvida. Por fim, acrescentamos algumas observações (numeradas e escritas em itálico) na medida em que fomos avançando na leitura do material.
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White Paper do Projeto Terra em Português com observações
Resumo
Embora muitos vejam os benefícios de uma criptomoeda com preço estável que combina o melhor da moeda fiduciária e do Bitcoin, muitos não têm um plano claro para a adoção de tal moeda. Como o valor de uma moeda como meio de troca é impulsionado principalmente por seus efeitos de rede [01], uma nova moeda digital bem-sucedida precisa maximizar a adoção para se tornar útil. Propomos uma criptomoeda, a Terra, que é estável em termos de preços e impulsionada pelo crescimento. Atinge a estabilidade de preços por meio de uma oferta monetária elástica [02] que será garantida por incentivos de mineração estáveis. Ela também usará a senhoriagem [03] criada por suas operações de cunhagem como forma de estímulo das transações, facilitando a sua adoção. Há demanda por um protocolo monetário descentralizado e com preço estável nas economias fiduciárias e blockchain. Se esse protocolo for bem-sucedido, terá um impacto significativo como a melhor forma de uso para criptomoedas.
Observações:
[01] – Efeito de rede: quanto mais um produto ou serviço cresce (aumenta a quantidade de usuários/clientes) mais valor ele passa a ter, mais benefício ele traz para todos os seus usuários.
https://medium.com/fala-clara/o-poder-dos-efeitos-de-rede-no-seu-modelo-de-neg%C3%B3cio-a9648da3425b
[02] – Oferta elástica: a oferta é elástica quando a oferta ou a disponibilidade de um produto ou serviço aumenta ou diminui de acordo com a variação do seu preço. A elasticidade é garantida pela possibilidade ou disponibilidade “em tese, infinita” do produto ou serviço. Quanto mais aumenta a demanda de um produto ou serviço a oferta desse produto ou serviço deve acompanhar essa demanda para que os preços se mantenham estáveis.
https://www.infoescola.com/economia/elasticidade-preco-da-oferta/
[03] – Senhoriagem: atualmente é a diferença entre o valor do dinheiro (de face) e o custo de produção e distribuição que “geralmente” é menor. Em termos “bem” simplórios é o oposto da emissão de títulos do tesouro nacional. A emissão de dinheiro não gera um passivo para o governo enquanto a emissão de títulos cria a obrigação de resgatá-las no futuro com os devidos acréscimos estabelecidos em cada modalidade (correção monetária, juros etc.). O dinheiro novo pode ser emitido para substituir as que estão velhas e desgastadas ou pode emitir dinheiro novo aumentando a quantidade de dinheiro em circulação. Quando o Banco Central “injeta” ou coloca dinheiro em circulação faz ou recebe em troca o valor de face. Se esse dinheiro que ele injetou é proveniente de uma emissão nova ele tem uma espécie de lucro porque recebe o valor de face e deve ter tido um custo menor para produzir ou emitir aquele dinheiro do que o seu valor de face.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Senhoriagem
1. Introdução
A volatilidade dos preços das criptomoedas é um problema bem estudado por acadêmicos e observadores de mercado (ver, por exemplo, Liu e Tsyvinski, 2018, Makarov e Schoar, 2018). A maioria das criptomoedas, incluindo o Bitcoin, têm um cronograma de emissão pré-determinado que, juntamente com uma forte demanda especulativa, contribui para flutuações selvagens no preço. A extrema volatilidade de preços do Bitcoin é um grande obstáculo para sua adoção como meio de troca ou reserva de valor. Intuitivamente, ninguém quer pagar com uma moeda que tem potencial para dobrar de valor em poucos dias, ou quer ser pago em uma moeda se seu valor puder diminuir significativamente antes que a transação seja liquidada. Os problemas são agravados quando a transação requer mais tempo, por exemplo. Para pagamentos diferidos, como hipotecas ou contratos de trabalho, pois a volatilidade prejudicaria severamente um lado do contrato, tornando o uso de moedas digitais existentes nessas configurações proibitivamente caro.
No cerne de como o protocolo Terra resolve essas questões está a ideia de que uma criptomoeda com uma política monetária elástica [2] manteria um preço estável, ao contrário do Bitcoin, e se tornará viável para uso em transações cotidianas. No entanto, a estabilidade de preços não é suficiente para a ampla adoção de uma moeda. As moedas têm inerentemente fortes efeitos de rede [01]: é improvável que um cliente mude para uma nova moeda, a menos que uma massa crítica de comerciantes esteja pronta para aceitá-la, mas, ao mesmo tempo, os comerciantes não têm motivos para investir recursos e educar a equipe para aceitar uma nova moeda, a menos que haja uma demanda significativa dos clientes por ela. Por esse motivo, a adoção do Bitcoin como meio de pagamentos ficou limitada a pequenas empresas cujos proprietários investem pessoalmente em criptomoedas. Acreditamos que, embora uma política monetária elástica [02] seja a solução para o problema da estabilidade, uma política eficiente de supervisão pode impulsionar a adoção (da criptomoeda Terra). Além disso, o protocolo Terra oferece fortes incentivos para os usuários ingressarem na rede com um regime eficiente de controle de gastos, administrado por uma Tesouraria, onde teremos vários programas de estímulo concorrendo por financiamento. Ou seja, as propostas dos participantes da comunidade serão avaliadas pelo restante do ecossistema e, quando aprovadas, serão financiadas com o objetivo de aumentar a adoção e expandir os casos de uso potenciais. O Protocolo Terra, com seu equilíbrio entre promover a estabilidade e a adoção, representa um complemento significativo para as moedas fiduciárias como meio de pagamento e reserva de valor.
O resto do artigo está organizado da seguinte forma. Discutimos primeiro o protocolo e como a estabilidade será alcançada e mantida, por meio da calibração da demanda dos mineradores e do uso do token nativo Luna na mineração. Em seguida, nos aprofundamos em como os incentivos de mineração estáveis são adotados para suavizar as flutuações econômicas. Por fim, discutimos como a política fiscal do Terra pode ser usada como um estímulo eficiente para impulsionar a sua adoção.
Observações:
Como a grande maioria de todas as criptomoedas que foram criadas após o Bitcoin a TerraUSD (UST) nasceu com o propósito de ser melhor do que o Bitcoin. Não vejo problemas neste tipo de visão considerando que, em princípio, ninguém faz algo novo já prevendo que ele será pior do que algo que já existe. A questão aqui é que fazer algo novo e melhor do que qualquer coisa que já existe não é tão fácil como pode parecer. Todas as críticas podem (e devem) ser feitas sobre algo que já existe. Em contrapartida todo o otimismo se concentra em algo que vai ser criado e qualquer crítica efetiva poderá ser feita se e quando esse projeto realmente vier a existir e conseguir pelo menos se manter. Uma das maiores disrupções que o Bitcoin trouxe foi o fato de permitir que qualquer pessoa, literalmente qualquer um, pode criar dinheiro em casa com um computador e algum conhecimento de programação. Quem põe o pé neste mundo das criptomoedas pode achar que encontrou um jeito de ficar milionário criando seu próprio dinheiro, afinal de contas, quem não sonha com isso? Os conceitos citados acima como programa de estímulos para a sua adoção e modelo de votação para escolha de projetos que visam impulsionar o uso da stablecoin TerraUSD já foram utilizadas por outros projetos. Financiar projetos que tem como pano de fundo usar a criptomoeda que está sendo lançada é meio que uma forma básica de tentar alavancar o seu crescimento. O modelo de votação também é bem antigo e os mais calejados devem se lembrar dos projetos baseados no DAO – Organização Autônoma Descentralizada. Quando se olha para o Bitcoin exclusivamente como meio de pagamento (que é a forma como ele é definido no seu white paper) a volatilidade tornou-se um problema. Quando se olha para o Bitcoin como uma alternativa de investimento a médio e longo prazo a volatilidade pode ser algo mais palatável dependendo da casca do investidor, ou da sua estabilidade emocional e principalmente do propósito e do percentual que aloca e nas escolhas que faz entre este ou aquele ativo na composição de uma carteira. Como já diziam nossos avós “jamais coloque todos os ovos na mesma cesta”.