Esse assunto rende mais do que seriado na Netflix mas sempre tem hora e momento para encerrar. Vamos colocar um ponto final mesmo existindo vários outros pontos interessantes para se abordar. Deixo aqui minha reflexão pessoal sobre esse processo de criação de um produto que promete altos rendimentos, sua oferta e seu desfecho, nem sempre bonito.
Nos primórdios da era da informática os grandes meios de comunicação como jornais, revistas, rádios, estúdios de cinema e redes de televisão conseguiram obter grandes vantagens proporcionadas pelas inovações tecnológicas apoiadas essencialmente na informatização em todas as partes do processo de comunicação institucional, no sentido de existir um CNPJ (estrutura) por trás da empresa de comunicação. Essas vantagens ocorreram na captação de imagens ou dados, na transmissão do conteúdo para algum ponto (redação) onde era processado e depois disponibilizado ao público. Em todas as partes a informática agilizou o processo, reduziu custos e melhorou a qualidade.
Mas em tempos de disrupção, o que era favorável no início se inverteu. No campo dos meios de comunicação, no exemplo que citamos acima, as redes sociais, os aplicativos de trocas de mensagens e a facilidade para a criação e disponibilização de conteúdos visuais trouxeram enormes mudanças na estrutura de divulgação, ou seja, na forma pela qual as mensagens escoam do produtor do conteúdo para o consumidor daquela informação. Há quem acredite que a profissão de jornalista esteja correndo risco considerando que qualquer pessoa com um celular razoável faz vídeos, narra os fatos e publica na internet (acidentes, desastres naturais, incêndios, brigas, esportes etc.) e nesse meio tempo o repórter possivelmente não chegou nem perto do elevador. O que no início trouxe grande vantagem competitiva aos meios de comunicação hoje se torna seu algoz. Como em qualquer processo de disrupção a desagregação das estruturas tradicionais ocorre debaixo de algumas realidades. Se por um lado a distância entre a origem ou fonte e o cliente ou consumidor final se encurta cada vez mais (alguns exemplos: vendas pela internet x lojas físicas, táxis x Uber, máquina fotográfica x smartphone, locadoras de vídeos x Netflix, livros impressos x kindle, moedas fiat x criptomoedas e cartórios x blockchains) por outro também cria uma grande quantidade de conteúdo “sob conflito de interesses muito pessoais” (1- Você produziria uma quantidade enorme de conteúdo daquilo que não gosta? 2 – Como você sabe que esse conteúdo é bom sem saber direito do que se trata? 3 – Quantos “likes” você já deu?) que avança e atua na etapa seguinte do processo, naqueles que distribuem esse conteúdo aos seus grupos de amigos. Ambos, criador e distribuidor ou repassador não estão sujeitos aos controles estruturais inerentes a qualquer empresa (ter CNPJ e tudo que se relaciona a uma empresa como por exemplo o pagamento de impostos, a geração de empregos, concorrência com outras empresas, submissão a controle estatal etc.).
Até onde eu sei vivemos num país livre, no sentido de termos liberdade para escolhermos qual conteúdo vamos consumir. Junto com a liberdade vem a responsabilidade. Todos querem total liberdade de escolha, mas nem todos estão prontos para assumir essa responsabilidade da livre escolha, ao primeiro sinal de problema correm atrás de algum amparo (nessa hora muitos se lembram que existe Estado). Muitas vezes estas escolhas (livres) criam expectativas em cada um de nós. Todo ser humano tem ambições que ficam esperando o acionamento de algum gatilho para se materializar (ganhar dinheiro rápido). O resultado nem sempre é o que se espera ou que se vende/promete quando o gatilho é acionado por influência externa.
Aqui entramos no tema do dia. Narrativas, correntes de opinião e pós/meias verdades são algumas consequências, que já existiam antes da era da informática, mas que se tornaram mais evidentes com as facilidades desta era em que vivemos. Estamos numa época em que podemos ter mais fé numa narrativa feita em casa por alguém que mal conhecemos dizendo que ganha tanto dinheiro por dia que até parou de trabalhar para se dedicar integralmente a essa “atividade”. Por mais que digam o contrário, ser humano não é tão perfeito assim, principalmente quando somos avaliados pelo lado psicológico. Essas narrativas criam as correntes de opinião entre amigos, conhecidos, parentes e colegas afinal quem não quer ganhar dinheiro fácil. Sempre tem os que “compram” essa narrativa “caseira”. Como diziam nossos avós, quem conta um conto aumenta um ponto (já ouviu falar na dinâmica de grupo do telefone sem fio? Pessoas em treinamento juntam-se numa roda e a primeira pessoa de uma das pontas recebe uma pequena história escrita numa folha de papel para ler e guardar. Sua única função é chamar a pessoa ao lado para transmitir em voz baixa com a mais absoluta integridade a mensagem, sem ler e nem entregar a folha, os demais repetem o processo, retransmitem a mensagem para pessoa ao lado, sem que os outros possam ouvir. No fim o último conta para o grupo qual mensagem recebeu, o primeiro que está com a mensagem no papel lê a mensagem. O resultado nunca será igual a mensagem original, muitas vezes até contraria o sentido inicial do texto). Cada pessoa que acredita na narrativa passa a divulgar e certamente melhorar os atributos favoráveis da narrativa. Mas o mundo não se constrói somente com boas narrativas, a realidade se impõe. Um dia descobrimos que não estamos no centro do universo, ou seja, percebemos que tudo aquilo que nos cerca e todas as pessoas e coisas com as quais interagimos não estão girando em torno das nossas vidas para nos fazer feliz, para ganharmos sempre e para termos todo o sucesso do mundo mesmo que o mundo esteja acabando logo ali na esquina. Cada pessoa é o centro de um universo pessoal de inter-relações que no final vai se juntando para resultar no mundo todo, como ele é de forma nua e crua. O problema é que esse mundo todo se movimenta sem que possamos influenciá-lo com nossa a nossa narrativa pessoal atrás do nosso próprio sucesso. Os outros também estão atrás do sucesso e isso pode significar, muitas vezes, o seu insucesso, dependendo da sua preparação para a vida. O alcance da nossa influência é mínimo, de alcance limitado. Tem gente que acredita na história da borboleta na Índia que vai gerar um furação nos Estados Unidos. As coisas acontecem na maioria das vezes contra a nossa vontade, os acontecimentos globais não estão nem aí para as nossas metas, objetivos ou sonhos pessoais de riqueza, sucesso e felicidade. Por fim, chegamos na fase da pós verdade. A narrativa era maravilhosa, as correntes de opinião cresceram em torno de uma narrativa sempre favorável, mas acordamos na pior ressaca do mundo, muitas vezes sem acesso a um dos principais motores de nossas vidas, o dinheiro. Essa balada do dinheiro fácil e dos grandes rendimentos é cruel e castiga a maioria das pessoas que entram nela. Dizem que dinheiro não traz felicidade, mas se você puder trazê-la de avião e na primeira classe ela chega bem mais animada do que no lombo de um camelo debaixo de um sol escaldante do deserto. Ainda sem perder a esperança, apenas um pouquinho desconfiado, você acorda na fase da pós verdade. O que era um sonho dourado vai se transformando num pesadelo interminável. Aquele momento onde a fonte da narrativa passa a relatar fatos e situações que se adaptem a realidade ou muitas vezes, distorcendo a realidade, misturando fatos com ficção. Na maioria das vezes serve para ganhar tempo e para minimizar as críticas que começam a surgir dos mais desconfiados. Nessa fase vale tudo, inclusive acusar os descrentes, intimidá-los, alegar que é “fake news” e chegam a processá-los. Vídeos se tornam escassos ou somem, sites saem do ar, endereços físicos são trocados, começam a aparecer notícias com siglas como CVM, BC, PF etc. Mas em tempos de pós verdade a narrativa diz que tudo está bem, que continuamos operando, que tudo não passa de mal-entendido, que é perseguição dos invejosos ou dos concorrentes maus perdedores, que seu dinheiro será devolvido com todos os rendimentos prometidos etc. etc. Se você está nessa fase seu pesadelo está apenas começando, não durma no ponto, faça contas e duvide sempre dos grandes ganhos. Não é impossível, grandes ganhos ocorrem, mas as chances aumentam na proporção do tempo dedicado ao ganho e a sorte também entra, alguns ganhos simplesmente vieram da sorte e nem estou falando da loteria. Os grandões do mercado financeiro têm muitos recursos (bilhões), podem contratar e pagar os melhores especialistas disponíveis no mercado. É uma indústria e como toda atividade empresarial busca o máximo lucro possível. Não são santos, isso é outro ramo da vida, são donos de empresas. Esse sistema financeiro oficial é estritamente regulamentado, ninguém pode oferecer nenhum produto ou serviço que os outros concorrentes não possam oferecer, trata-se apenas de vontade, capacidade ou de lucratividade, entre outros motivos. Tudo que está fora do sistema financeiro oficial, que os bancos ou corretoras não oferecem (exemplo: forex) não é permitido legalmente ou não está regulamentado (bitcoin).
Esse é o terreno pantanoso onde existe de tudo, desde coisas boas até as ruins que destroem vidas física e mentalmente. Dizem que na corrida do ouro os que realmente ganharam dinheiro foram os vendedores de pás e picaretas. E você? Está vendendo sua alma acreditando em exceções ou está comprando um futuro melhor, de forma segura e gradual como deve ser a realidade para a grande maioria das pessoas comuns?