O Departamento de Estatística do Fundo Monetário Internacional divulgou um documento com algumas orientações sobre o tratamento dos ativos criptográficos nas estatísticas macroeconômicas. Deixo o link abaixo do material (em inglês) e faço um resumo do material em português com algumas notas pessoais no final. Considero útil para quem é iniciante porque traz algumas definições que já são conhecidas, sem inventar ou tentar mudar o que já é consenso, com chancela de um órgão internacional que congrega as principais nações do mundo. São mais de 30 tópicos e para não ficar muito extenso será dividido em duas partes, segue a primeira:
link do material: https://www.imf.org/external/pubs/ft/bop/2019/pdf/Clarification0422.pdf
Departamento de Estatística - Fundo Monetário Internacional
Tratamento dos Ativos Criptográficos nas Estatísticas Macroeconômicas
I - Introdução
A - Visão Geral
Este documento apresenta uma visão geral dos ativos baseados em criptografia e fornece orientações sobre a classificação para seu tratamento nas estatísticas macroeconômicas, com base nos padrões e classificações estatísticas atuais.
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Reconhece o advento de novos tipos de ativos financeiros baseados em criptografia citando como exemplos: 1) Bitcoin que identifica como um projeto criado para ser usado como meio de troca; e 2) “Tokens” digitais geralmente usado para financiar a criação de novas empresas por meio da arrecadação antecipada de fundos.
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Além de uma citação oficial no MFSMCG - Monetary and Financial Statistics Manual and Compilation Guide definindo que ativos criptográficos como o Bitcoin são ativos não financeiros não há diretrizes internacionais oficiais disponíveis sobre o assunto. Agora o FMI - Fundo Monetário Internacional define que ativos criptográficos tem características únicas que combinam propriedades de moedas, mercadorias e ativos intangíveis (sobre ativo intangível ver nota 1).
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O documento também traz orientação sobre como medir a produção da atividade de mineração e sobre operações trans-fronteiras (remessas/transferências internacionais) associadas a ativos criptográficos como Bitcoin e outros semelhantes.
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Até a elaboração deste doumento a IASB - International Accounting Standard Board ainda não tinha emitido nenhum documento contendo orientações sobre o tratamento contábil desses ativos.
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Este documento está organizado da seguinte forma: I - principais conceitos; II - classificação dos ativos criptográficos; III - classificação recomendada dos ativos criptográficos nas estatísticas macroeconômicas e orientação sobre a medição da produção da mineração; IV - algumas considerações práticas; e V - Conclusão.
B - Entendendo os Cripto Ativos
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Ativos criptográficos são formas de se representar valor de forma digital. Isso se tornou possível pelos avanços na criptografia e na tecnologia de contabilidade distribuida (DLT). Através da tecnologia conhecida como blockchain tornou-se possível a existência de registros (dados) que são distribuídos sem a necessidade de uma entidade central para administrar esse sistema. Esses ativos criptográficos são armazenados em contas individuais e podem ser transferidos usando-se a tecnologia P2P (ponto a ponto) sem intermediários.
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BLCAs (Bitcoin Like Cripto Assets) são tipos de ativos criptográficos. Exemplos de BLCAs: Bitcoin, Ether,Ripple (XRP), Bitcoin Cash, EOS, Stellar e Litecoin. Em geral utiliza-se BLCAs de forma genérica para identificação de todos os tipos de ativos criptográficos mas neste documento será usado específicamente para identificar ativos criptográficos projetados para servir como meio de troca, de uso geral por meio de redes P2P e sem autoridade central [agente emissor do ativo criptográfico e sem responsabilidade de contraparte, (ver nota 2)]. Num sistema P2P a entidade central é substituída por um estrutura de protocolos implementados para controlar a operação do sistema permitindo que as transações sejam realizadas diretamente pelos próprios participantes do sistema.
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Alguns BLCAs entram em circulação como resultado de um processo chamado de mineração (Bitcoin, Bitcoin Cash, Ether, etc.) e outros são emitidos no lançamento do projeto (ver nota 3). No momento em que este documento foi elaborado foi apurado a existência de mais de 1.600 BLCAs que totalizavam cerca de 228 bilhões de dólares americanos (capitalização de mercado), sendo que o Bitcoin representa quase a metade desse montante.
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A atividade de mineração refere-se à verificação e confirmação de transações nos BLCAs, inclusão das transações em um bloco após verificação através de uma tarefa chamada de prova de trabalho (PoW - Proof of Work) e por meio de um mecanismo de consenso. Normalmente requer uso de computadores de última geração (ver nota 4). Os mineradores recebem um pagamento chamado de taxa por transação e uma recompensa por bloco completado/minerado (como no caso do Bitcoin).
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Parte dos ativos criptográficos não são considerados BLCAs, são chamados de “tokens” ou “tokens digitais” que são criados nos processos de ICOs (Initial Coin Offering). Os “tokens” são emitidos para serem vendidos visando arrecadação antecipada de fundos para financiamento do projeto relacionado ao próprio “token” (ver nota 5) . Os projetos são descritos em um documento conhecido como “white paper” com finalidades diversas como plataforma de contratos inteligentes, trocas, armazenamento de dados, etc. Os “tokens” são criados dentro de um blockchain e são transferíveis (ver nota 6).
II - Categorias de Cripto Ativos
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Este documento apresenta uma árvore de decisão (anexo 2) para ajudar os compiladores a identificar os ativos de criptografia no contexto mais amplo dos ativos digitais. Baseia-se em um conjunto de características chave dos ativos de criptografia (mecanismo de emissão e transferência) tendo como base um documento do BIS (Bank of International Settlements) de 2017.
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Neste documento os ativos criptográficos são divididos em dois tipos: (i) BLCAs; e (ii) “tokens digitais” que não são considerados BLCAs.
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Os “tokens digitais” podem ser divididos em 4 tipos dependendo da sua função econômica subjacente, que são os seguintes:
a) “ Tokens de pagamento ” que se tornarão BLCAs de uso universal (não restritos a uma plataforma específica) servindo como unidade de conta, reserva de valor e meio de pagamento (exemplo: Litecoin);
b) “ Tokens de utilidade ” que são criados para fornecer aos seus titulares acesso futuro a determinados serviços que serão criados por meio de aplicativos baseados em DLT/Blockchain tais como armazenamento de arquivos, troca de mensagens, plataforma de negociação, etc. (exemplos: Ether, Binance e Filecoin);
c) “ Tokens de ativos ” representam um pedaço do patrimônio do emissor ou uma dívida que pode ser cobrada. Como contrapartida geralmente oferecem participação nos lucros futuros do projeto;
d) “ Tokens hibridos ” são os que possuem duas ou mais características. Pode ter funcionalidade de pagamentos, ser ativo e ainda ter alguma outra funcionalidade como armazenar arquivos.
- Moedas digitais emitidas por Bancos Centrais são classificados como ativos financeiros. Alguns Bancos Centrais podem emitir essa versão digital das suas moedas fiduciárias usando ou não a tecnologia DLT (ver nota 5). Essas moedas digitais também são conhecidas como moeda eletrônica e são usadas normalmente como as moedas fiduciárias podendo ser mantidas em conta corrente nos bancos independente da tecnologia de transferência utilizada. Nesse mesmo sentido titulos emitidos por entidades institucionais tendo como contrapartida um passivo também são tratados como ativos financeiros independente da tecnologia de transferência (ver Nota 6).
Ativos de Criptografia nas Normas Contábeis
- O tratamento contábil dos ativos de criptografia está sob análise do IASB - International Accounting Standards Board. As orientações atuais sugerem que os BLCAs não sejam classificados como ativos financeiros, no entanto ainda não existe nenhuma conclusão sobre a classificação contábil dos ativos de criptografia (especificar como um ativo não financeiro ou criar uma nova categoria). Isso tem gerado tratamentos diferentes nos relatórios contábeis de transações realizadas com BLCAs.
III - Classificação dos Ativos de Criptografia nas Estatísticas Macroeconômicas
- Na elaboração de estatísticas macroeconômicas a recomendação é que os ativos de criptografia sejam classificados de acordo com as principais características das diferentes categorias desses ativos em conjunto com os princípios de classificação de ativos econômicos já conhecidos. Dentro dessas diretrizes um ativo econômico precisa ser classificado como ativo financeiro ou não financeiro.
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Nota 1 : Ativos intangíveis são aqueles que não tem existência física, portanto não podem ser tocados, deve permitir algum tipo de separação ou divisão, transferência ou troca, pode ser mensurado/valorado e que tenha algum amparo legal, entre outros requisitos. O exemplo clássico de um ativo intangível é a marca de uma empresa, que chegam a valer milhões. Uma definição técnica atual é no sentido de que ativo intangível é um ativo não monetário. Duas curiosidades sobre software: 1) um software é intangível se estiver sendo usado ou se foi adquirido a licença mas não foi instalado em nenhum computador, se estiver instalado em um computador quebrado deve ser considerado ativo imobilizado, deixa de ser intangível; e 2) a gravação do software num pen drive ou CD por si só não tira a característica de intangibilidade.
Nota 2: Contraparte é a outra parte, com quem você realiza uma transação. No caso de uma transação envolvendo criptomoedas você é o único responsável pelas transferências/transações realizadas com a outra parte. Não haverá um terceiro (governo, banco, loja física, etc.) para procurar caso ocorra alguma transferência/transação indevida ou com erro. A outra parte com quem você realiza qualquer transação não é obrigado a assumir nenhuma responsabilidade. Também não existe cancelamento ou devolução após a concretização da transação/transferência.
Nota 3: Existem casos em que as criptomoedas ou cripto ativos são emitidos após o seu lançamento e em alguns casos também pode ocorrer a retirada de circulação e/ou destruição de parte das que já foram emitidas.
Nota 4: Inicialmente a mineração era feita em computadores comuns ou PC’s de mesa mas com o tempo e a evolução da dificuldade no processo de mineração surgiram computadores que são fabricados específicamente para uso na mineração. O mais conhecido é fabricado pela empresa chinesa Bitmain que tem computadores criados específicamente para mineração de bitcoin, conhecido como Antiminer.
Nota 5: Existem algumas diferenças entre DLT - Distributed Ledger Technology e Blockchains. O sistema financeiro não costuma usar a expressão Blockchain preferindo DLT. No fundo tem as mesmas funcionalidades, servem como livros contábeis que registram saldos e transações. Os blockchains puros são descentralizados enquanto os DLT geralmente são criados e administrados por alguma entidade sendo centralizados em algum grau menor ou até mesmo total.
Nota 6: Moedas fiduciárias existem a partir do reconhecimento de que ao serem emitidas criam um passivo para quem as emite, ou seja, a qualquer momento alguém que esteja na posse de uma moeda (digital ou físico) é credor e poderá resgatá-la junto ao seu emitente. A mesma idéia se aplica aos títulos como é o caso dos Títulos do Tesouro Nacional, ao serem emitidas criam um passivo para o Governo que terá que honrá-lo no seu vencimento. Tanto as moedas (físicas ou digitais) como os títulos são classificados como ativos financeiros de acordo com o documento do FMI.