Orientações (do FMI) Para Tratamento dos Ativos Criptográficos nas Estatísticas Macroeconômicas

O Departamento de Estatística do Fundo Monetário Internacional divulgou um documento com algumas orientações sobre o tratamento dos ativos criptográficos nas estatísticas macroeconômicas. Deixo o link abaixo do material (em inglês) e faço um resumo do material em português com algumas notas pessoais no final. Considero útil para quem é iniciante porque traz algumas definições que já são conhecidas, sem inventar ou tentar mudar o que já é consenso, com chancela de um órgão internacional que congrega as principais nações do mundo. São mais de 30 tópicos e para não ficar muito extenso será dividido em duas partes, segue a primeira:

link do material: https://www.imf.org/external/pubs/ft/bop/2019/pdf/Clarification0422.pdf

Departamento de Estatística - Fundo Monetário Internacional

Tratamento dos Ativos Criptográficos nas Estatísticas Macroeconômicas

I - Introdução

A - Visão Geral

Este documento apresenta uma visão geral dos ativos baseados em criptografia e fornece orientações sobre a classificação para seu tratamento nas estatísticas macroeconômicas, com base nos padrões e classificações estatísticas atuais.

  1. Reconhece o advento de novos tipos de ativos financeiros baseados em criptografia citando como exemplos: 1) Bitcoin que identifica como um projeto criado para ser usado como meio de troca; e 2) “Tokens” digitais geralmente usado para financiar a criação de novas empresas por meio da arrecadação antecipada de fundos.

  2. Além de uma citação oficial no MFSMCG - Monetary and Financial Statistics Manual and Compilation Guide definindo que ativos criptográficos como o Bitcoin são ativos não financeiros não há diretrizes internacionais oficiais disponíveis sobre o assunto. Agora o FMI - Fundo Monetário Internacional define que ativos criptográficos tem características únicas que combinam propriedades de moedas, mercadorias e ativos intangíveis (sobre ativo intangível ver nota 1).

  3. O documento também traz orientação sobre como medir a produção da atividade de mineração e sobre operações trans-fronteiras (remessas/transferências internacionais) associadas a ativos criptográficos como Bitcoin e outros semelhantes.

  4. Até a elaboração deste doumento a IASB - International Accounting Standard Board ainda não tinha emitido nenhum documento contendo orientações sobre o tratamento contábil desses ativos.

  5. Este documento está organizado da seguinte forma: I - principais conceitos; II - classificação dos ativos criptográficos; III - classificação recomendada dos ativos criptográficos nas estatísticas macroeconômicas e orientação sobre a medição da produção da mineração; IV - algumas considerações práticas; e V - Conclusão.

B - Entendendo os Cripto Ativos

  1. Ativos criptográficos são formas de se representar valor de forma digital. Isso se tornou possível pelos avanços na criptografia e na tecnologia de contabilidade distribuida (DLT). Através da tecnologia conhecida como blockchain tornou-se possível a existência de registros (dados) que são distribuídos sem a necessidade de uma entidade central para administrar esse sistema. Esses ativos criptográficos são armazenados em contas individuais e podem ser transferidos usando-se a tecnologia P2P (ponto a ponto) sem intermediários.

  2. BLCAs (Bitcoin Like Cripto Assets) são tipos de ativos criptográficos. Exemplos de BLCAs: Bitcoin, Ether,Ripple (XRP), Bitcoin Cash, EOS, Stellar e Litecoin. Em geral utiliza-se BLCAs de forma genérica para identificação de todos os tipos de ativos criptográficos mas neste documento será usado específicamente para identificar ativos criptográficos projetados para servir como meio de troca, de uso geral por meio de redes P2P e sem autoridade central [agente emissor do ativo criptográfico e sem responsabilidade de contraparte, (ver nota 2)]. Num sistema P2P a entidade central é substituída por um estrutura de protocolos implementados para controlar a operação do sistema permitindo que as transações sejam realizadas diretamente pelos próprios participantes do sistema.

  3. Alguns BLCAs entram em circulação como resultado de um processo chamado de mineração (Bitcoin, Bitcoin Cash, Ether, etc.) e outros são emitidos no lançamento do projeto (ver nota 3). No momento em que este documento foi elaborado foi apurado a existência de mais de 1.600 BLCAs que totalizavam cerca de 228 bilhões de dólares americanos (capitalização de mercado), sendo que o Bitcoin representa quase a metade desse montante.

  4. A atividade de mineração refere-se à verificação e confirmação de transações nos BLCAs, inclusão das transações em um bloco após verificação através de uma tarefa chamada de prova de trabalho (PoW - Proof of Work) e por meio de um mecanismo de consenso. Normalmente requer uso de computadores de última geração (ver nota 4). Os mineradores recebem um pagamento chamado de taxa por transação e uma recompensa por bloco completado/minerado (como no caso do Bitcoin).

  5. Parte dos ativos criptográficos não são considerados BLCAs, são chamados de “tokens” ou “tokens digitais” que são criados nos processos de ICOs (Initial Coin Offering). Os “tokens” são emitidos para serem vendidos visando arrecadação antecipada de fundos para financiamento do projeto relacionado ao próprio “token” (ver nota 5) . Os projetos são descritos em um documento conhecido como “white paper” com finalidades diversas como plataforma de contratos inteligentes, trocas, armazenamento de dados, etc. Os “tokens” são criados dentro de um blockchain e são transferíveis (ver nota 6).

II - Categorias de Cripto Ativos

  1. Este documento apresenta uma árvore de decisão (anexo 2) para ajudar os compiladores a identificar os ativos de criptografia no contexto mais amplo dos ativos digitais. Baseia-se em um conjunto de características chave dos ativos de criptografia (mecanismo de emissão e transferência) tendo como base um documento do BIS (Bank of International Settlements) de 2017.

  2. Neste documento os ativos criptográficos são divididos em dois tipos: (i) BLCAs; e (ii) “tokens digitais” que não são considerados BLCAs.

  3. Os “tokens digitais” podem ser divididos em 4 tipos dependendo da sua função econômica subjacente, que são os seguintes:

a) “ Tokens de pagamento ” que se tornarão BLCAs de uso universal (não restritos a uma plataforma específica) servindo como unidade de conta, reserva de valor e meio de pagamento (exemplo: Litecoin);

b) “ Tokens de utilidade ” que são criados para fornecer aos seus titulares acesso futuro a determinados serviços que serão criados por meio de aplicativos baseados em DLT/Blockchain tais como armazenamento de arquivos, troca de mensagens, plataforma de negociação, etc. (exemplos: Ether, Binance e Filecoin);

c) “ Tokens de ativos ” representam um pedaço do patrimônio do emissor ou uma dívida que pode ser cobrada. Como contrapartida geralmente oferecem participação nos lucros futuros do projeto;

d) “ Tokens hibridos ” são os que possuem duas ou mais características. Pode ter funcionalidade de pagamentos, ser ativo e ainda ter alguma outra funcionalidade como armazenar arquivos.

  1. Moedas digitais emitidas por Bancos Centrais são classificados como ativos financeiros. Alguns Bancos Centrais podem emitir essa versão digital das suas moedas fiduciárias usando ou não a tecnologia DLT (ver nota 5). Essas moedas digitais também são conhecidas como moeda eletrônica e são usadas normalmente como as moedas fiduciárias podendo ser mantidas em conta corrente nos bancos independente da tecnologia de transferência utilizada. Nesse mesmo sentido titulos emitidos por entidades institucionais tendo como contrapartida um passivo também são tratados como ativos financeiros independente da tecnologia de transferência (ver Nota 6).

Ativos de Criptografia nas Normas Contábeis

  1. O tratamento contábil dos ativos de criptografia está sob análise do IASB - International Accounting Standards Board. As orientações atuais sugerem que os BLCAs não sejam classificados como ativos financeiros, no entanto ainda não existe nenhuma conclusão sobre a classificação contábil dos ativos de criptografia (especificar como um ativo não financeiro ou criar uma nova categoria). Isso tem gerado tratamentos diferentes nos relatórios contábeis de transações realizadas com BLCAs.

III - Classificação dos Ativos de Criptografia nas Estatísticas Macroeconômicas

  1. Na elaboração de estatísticas macroeconômicas a recomendação é que os ativos de criptografia sejam classificados de acordo com as principais características das diferentes categorias desses ativos em conjunto com os princípios de classificação de ativos econômicos já conhecidos. Dentro dessas diretrizes um ativo econômico precisa ser classificado como ativo financeiro ou não financeiro.

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Nota 1 : Ativos intangíveis são aqueles que não tem existência física, portanto não podem ser tocados, deve permitir algum tipo de separação ou divisão, transferência ou troca, pode ser mensurado/valorado e que tenha algum amparo legal, entre outros requisitos. O exemplo clássico de um ativo intangível é a marca de uma empresa, que chegam a valer milhões. Uma definição técnica atual é no sentido de que ativo intangível é um ativo não monetário. Duas curiosidades sobre software: 1) um software é intangível se estiver sendo usado ou se foi adquirido a licença mas não foi instalado em nenhum computador, se estiver instalado em um computador quebrado deve ser considerado ativo imobilizado, deixa de ser intangível; e 2) a gravação do software num pen drive ou CD por si só não tira a característica de intangibilidade.

Nota 2: Contraparte é a outra parte, com quem você realiza uma transação. No caso de uma transação envolvendo criptomoedas você é o único responsável pelas transferências/transações realizadas com a outra parte. Não haverá um terceiro (governo, banco, loja física, etc.) para procurar caso ocorra alguma transferência/transação indevida ou com erro. A outra parte com quem você realiza qualquer transação não é obrigado a assumir nenhuma responsabilidade. Também não existe cancelamento ou devolução após a concretização da transação/transferência.

Nota 3: Existem casos em que as criptomoedas ou cripto ativos são emitidos após o seu lançamento e em alguns casos também pode ocorrer a retirada de circulação e/ou destruição de parte das que já foram emitidas.

Nota 4: Inicialmente a mineração era feita em computadores comuns ou PC’s de mesa mas com o tempo e a evolução da dificuldade no processo de mineração surgiram computadores que são fabricados específicamente para uso na mineração. O mais conhecido é fabricado pela empresa chinesa Bitmain que tem computadores criados específicamente para mineração de bitcoin, conhecido como Antiminer.

Nota 5: Existem algumas diferenças entre DLT - Distributed Ledger Technology e Blockchains. O sistema financeiro não costuma usar a expressão Blockchain preferindo DLT. No fundo tem as mesmas funcionalidades, servem como livros contábeis que registram saldos e transações. Os blockchains puros são descentralizados enquanto os DLT geralmente são criados e administrados por alguma entidade sendo centralizados em algum grau menor ou até mesmo total.

Nota 6: Moedas fiduciárias existem a partir do reconhecimento de que ao serem emitidas criam um passivo para quem as emite, ou seja, a qualquer momento alguém que esteja na posse de uma moeda (digital ou físico) é credor e poderá resgatá-la junto ao seu emitente. A mesma idéia se aplica aos títulos como é o caso dos Títulos do Tesouro Nacional, ao serem emitidas criam um passivo para o Governo que terá que honrá-lo no seu vencimento. Tanto as moedas (físicas ou digitais) como os títulos são classificados como ativos financeiros de acordo com o documento do FMI.

Continuando…

Os Ativos de Criptografia são Ativos Econômicos?

  1. Ativos criptográficos podem ser considerados ativos econômicos porque seus detentores podem ser identificados e desde que isso ocorra, podem se beneficiar economicamente reconhecendo contabilmente lucros ou prejuízos (ver nota 7). Tem valor monetário e seu preço é definido pelo mercado onde é negociado.

A - Bitcoin Como Cripto Ativo

Os Ativos de Criptografia são Ativos Financeiros?

  1. O principal critério para saber se um ativo criptográfico pode ser considerado ativo financeiro é a existência de um passivo de contrapartida atribuído ao entidade emissor do ativo criptográfico (ver nota 6 da postagem anterior). Nas estatísticas macroeconômicas os ativos financeiros são créditos que se constituem em ativos econômicos tendo como contraparte um devedor, que é titular de uma obrigação/passivo. Moedas emitidas pelos Bancos Centrais são ativos financeiros porque tem curso legal (obrigatório) no país onde é emitido e seu valor constitui-se num débito de quem o emitiu. Os ativos de criptografia como são os BLCAs não representam débito para o emissor, não gera passivo para a contraparte e portanto não pode ser considerado como um ativo financeiro.

Os BLCAs são Ativos Financeiros ou Não Financeiros?

  1. O documento recomenda que os BLCAs sejam classificados como ativos não financeiros que podem servir como reserva de valor e podem ser usados em atividades econômicas. Esta definição como ativo não financeiro também se baseia no documento citado anteriormente MFSMCG - Monetary and Financial Statistics Manual and Compilation Guide que considera ativos do tipo Bitcoin como não financeiros porque não atendem a definição de moeda já que não são emitidos por um Banco Central ou um Governo, não se equivalem a dinheiro eletrônico e ainda não são amplamente aceitos como meio de troca.

  2. Outro relatório do FMI sobre Dados da Economia Digital segue na mesma linha. Considera os BLCAs como ativos não financeiros, ou seja, não deve ser classificado como dinheiro nas estatísticas monetárias e financeiras. Futuramente se o uso dos ativos criptográficos se tornar amplamente aceito como meio de troca esta visão poderá ser reconsiderada.

Os BLCAs são Ativos Não Financeiros Resultantes de Processo de Produção?

  1. O documento recomenda que os BLCAs sejam classificados como ativos financeiros resultantes de processo de produção, ou seja, passam a existir como resultado de um processo de produção (mineração ou criação dentro de um projeto) controlado, gerenciado e sob responsabilidade de alguma entidade específica que utiliza insumos (mão de obra, capital, serviços, etc.). A propriedade dos BLCAs inicialmente é do produtor/minerador mas podem ser transferidos para terceiros por meio de transações realizadas num mercado. Outra característica é que não há confusão entre os produtores, cada ativo criptográfico é perfeitamente identificado e vinculado a uma determinada plataforma (Blockchain), projeto ou produtor. Uma moeda criptográfica de um Blockchain não pode ser transacionada livremente em outro Blockchain.

Em que Categoria de Ativos Não Financeiros os BLCAs Devem Ser Classificados?

  1. Os BLCAs devem ser classificados na subcategoria de objetos de valor, entre outras coisas, porque os BLCAs também são mantidos como reserva de valor, assim como os metais preciosos. Também podem ser considerados ativos fixos ou estoques mantidos pelos produtores durante o processo de produção (ver nota 8). O processo de criação dos BLCAs assemelha-se ao processo de mineração dos metais preciosos. A principal finalidade dos BLCAs atualmente é sua posse como reserva de valor. O documento recomenda que os BLCAs sejam classificados dentro de uma nova subcategoria chamada objetos de valor digital que pode ser usado como reserva de valor, troca ou para pagamento de bens e/ou serviços.

  2. Os BLCAs não podem ser classificados como produto de propriedade intelectual como os softwares de computadores) que são considerados ativos físicos (intangíveis) enquanto são utilizados no processo de produção. Os BLCAs podem ser usados como reserva de valor ou para pagamentos.

  3. Recomenda-se que os BLCAs sejam identificados separadamente em subcategorias distintas dentro da categoria reserva de valor para que os impactos das transações com este tipo de ativo sejam observados nas estatísticas macroeconômicas. O documento também recomenda que qualquer tipo de transação que seja feito usando alguma BLCA, inclusive as transfronteiriças, sejam devidamente registradas.

  4. Este tópico faz menção ao Anexo 5 do documento sobre outras classificações (alternativas) que não são recomendadas neste documento.

Como Medir a Produção da Mineração?

  1. A produção dos BLCAs deve ser medida pela soma das taxas de transação e dos BLCAs minerados. As taxas e os BLCAs minerados devem ser diferenciados, entre outros motivos porque a taxa é resultado de um serviço (contrapartida) e a mineração não tem contrapartida identificável. O processo de recompensa dos BLCAs por meio de emissão descentralizada faz parte do protocolo da rede como parte do processo de mineração. O incentivo para que os mineradores disponibilizem seu poder de computação para validar as transações está no recebimento das taxas de transação e dos BLCAs criados. As taxas são pagamentos pelos serviços prestados pelos mineradores e se o pagador da taxa residir em um país diferente do minerador o serviço deve ser considerado como uma exportação de serviços (transação entre países diferentes). O BLCAs criados são considerados como ativo (não financeiro) produzido por um processo de mineração.

  2. Nos países com atividades significativas de mineração e produção de BLCAs que mantém muita atividade comercial com outros países a medição com base na classificação recomendada neste documento afetará a medição do PIB, especificamente os dados de bens e serviços relacionados a balança de pagamentos.

B - Ativos Criptográficos Que Não São Considerados BLCAs (Tokens Digitais)

  1. A classificação dos “tokens” digitais nas estatísticas macroeconômicas depende da categoria do “token”. Tal como no caso dos BLCAs, para ser considerado ativo financeiro o “token” precisa ter uma contraparte identificável que seja devedora. “Tokens” de pagamento e de utilidade, em sua maioria, também devem ser classificados como ativos não financeiros. Como a maioria dos “tokens” de pagamento e de utilidade são emitidos de forma descentralizada não existe uma entidade com contabilidade própria que reconheça e efetue o registro destas emissões no seu passivo. Os “tokens” de ativo (aquele que representa um pedaço do patrimônio do emissor ou se constituí numa dívida que possa ser cobrada) devem ser considerados como ativos financeiros.

  2. Recomendação de classificação para os “tokens” digitais:

a) “Tokens” de pagamento e de utilidade que não tenham contraparte identificável devem ser classificados como ativos não financeiros, assim como os BLCAs. Eventualmente alguns “tokens” de utilidade podem ser considerados ativos financeiros caso seja possível identificar a contraparte e este reconheça o “token” como seu passivo ou um serviço futuro. “Tokens” de ICO - “Initial Coin Offering” podem ser emitidos de forma descentralizada ou por alguma entidade identificada. A emissão descentralizada ocorre por meio da execução de programas de computador no Blockchain. Alguns destes códigos são: contratos inteligentes, automação de algumas funções, emissão de moedas ou de “tokens”. É um processo conhecido como pré-pagamento por um serviço. Se os “tokens” de utilidade forem negociáveis devem ser classificados como títulos de dívida;

b) “Tokens” de ativos devem ser classificados como títulos de dívida se for um crédito cobrável ou como patrimônio se representar uma dívida (parte do patrimônio).

c) “Tokens” híbridos com características de “token” de ativo devem ser classificados como títulos de dívida ou como patrimônio, conforme o caso, na mesma condição do item anterior. Há casos em que o “token” gera juros para o titular, fato que o caracteriza de forma clara como título de dívida.

  1. O Anexo 6 do documento traz a recomendação de classificação dos ativos de criptografia com base no documento do FMI.

IV - Considerações Finais

  1. Existem muitos desafios para a integração dos ativos criptográficos nas estatísticas macroeconômicas. São ativos que não se enquadram nas categorias já existentes, podem ser gerados de forma descentralizadas sem uma entidade identificável, não existem padrões contábeis uniformes, as leis não são harmonizadas, evoluem rapidamente e a coleta dos dados é complexa.

  2. A falta de legislação nos países pode dificultar a implementação destas orientações. Com base em regulamentos locais ativos criptográficos podem ser considerados valores mobiliários ao invés de serem tratados como ativos não financeiros como está sendo recomendado neste documento. Nos Estados Unidos, por exemplo, a SEC - Securities and Exchange Commision que é o órgão equivalente a CVM - Comissão de Valores Mobiliários aplica um teste chamado de “Howey Test” para determinar se uma transação é um investimento e portanto sujeito a sua fiscalização. Na Suíça “tokens” de utilidade podem ser considerados valores mobiliários se forem emitidos com este objetivo, além de conferir outros direitos ao titular.

  3. Para fins de fiscalização dados sobre transações e posições em ativos criptográficos podem ser importantes. Embora o documento recomende a inclusão das transações transfronteiriças realizadas com ativos criptográficos (BLCAs e “tokens”) nos seus registros, atualmente apenas o registro dos dados relacionados aos ativos financeiros são obrigatórios. O melhor cenário para fins de monitoramento é que as transações e os estoques dos ativos criptográficos sejam classificados e registrados nas suas devidas contas.

  4. O maior desafio está na obtenção dos dados referentes as transações realizados com ativos criptográficos e as respectivas posições (saldos) em cada entidade, notadamente porque requer cooperação internacional considerando que as redes P2P podem ser acessadas a partir de qualquer país. Existem muitos usuários espalhados por vários países em comparação com o número de provedores de carteiras digitais que podem se constituir na fonte mais eficiente e precisa de obtenção de informações das transações e dos saldos. O documento recomenda que os provedores das carteiras digitais identifiquem o país de origem do usuário e com base nas demais informações do usuário (transações e saldo) informem ao país de cada usuário por meio de algum tipo de intercâmbio internacional.

V - Conclusão

  1. Este documento abordou a classificação dos ativos de criptografia no contexto das estatísticas macroeconômicas e recomendou o seguinte:
  • Separação em duas categorias: BLCAs e “tokens” digitais.
  • Os BLCAs devem ser classificados como ativos não financeiros resultantes de um processo de produção numa categoria distinta de outros bens de valor. Os “tokens” devem ser classificados de acordo com a sua categoria: i) “tokens” de pagamento e de utilidade devem ser classificados como ativos não financeiros, exceto se houver uma entidade emissora identificável que reconheça o token como seu passivo (pré-pagamento por serviço futuro); ii) “tokens” de ativos devem ser classificados como títulos de dívida (se pode ser cobrado) ou como patrimônio (se representa um pedaço do patrimônio); e iii) “tokens” híbridos tanto podem ser classificados como títulos de dívida ou como patrimônio dependendo do caso, seguindo a regra anterior.
  • A mineração deve ser medida pela soma da taxa de transação e dos BLCAs minerados. A taxa de mineração deve ser classificada como um serviço e os BLCAs devem ser considerados como ativo (não financeiro).
  • As orientações deste documento para tratamento dos ativos de criptografia são condizentes com os padrões estatísticos atuais mas a evolução da tecnologia e do seu uso deve ser monitorado continuamente sendo possível que estas recomendações sejam alteradas substancialmente no futuro.

Nota 7: frisei a palavra podem porque existe uma ideia de anonimato associado ao universo dos criptoativos, criptomoedas ou como queiram chamar. Mas o cerco aumenta cada vez mais, a Receita Federal exige do titular/possuidor a declaração destes ativos no Imposto de Renda Anual e exige das Exchanges informação sobre todas as transações realizadas, podendo cruzar as informações. Aqueles que quiserem usufruir de eventuais ganhos dentro da legalidade certamente terão que se identificar e manter registro dos seus criptoativos, inclusive recolhendo os devidos impostos sempre que efetuarem vendas com lucro.

Nota 8: Existem projetos em que a emissão ocorre a partir de parâmetros pré-estabelecidos na programação do sistema. Existem outros em que a emissão ocorre sob comando. Em geral são projetos com alguma centralização onde a emissão vai sendo feita no início pelos próprios criadores até acumular o volume planejado. Parece que esta recomendação visa atender este tipo de situação onde ocorre emissão prévia que vai se acumulando por algum tempo e deve ser contabilizado como estoque. Conforme citado na Nota 3, podem ocorrer emissões posteriores.

A ideia inicial era de postar em duas partes, mas planejei mal e somente agora percebi que o Glossário do documento tem várias definições interessantes, portanto ainda voltarei com uma terceira postagem para os que tiveram paciência e/ou interesse.

Glossário de Termos Importantes

Altcoins: São todas as outras BLCAs (BLCAs são Ativos Criptográficos Com Características Semelhantes ao Bitcoin) que foram criadas/lançadas após o Bitcoin. A maioria surgiu após o sucesso alcançado pelo Bitcoin. Atualmente existem milhares de altcoins. São projetos alternativos que na maioria dos casos se oferecem como substitutos do Bitcoin prometendo melhorias ou aperfeiçoamentos em relação ao Bitcoin.

Exchanges - Corretoras de Ativos Criptográficos: São empresas que fornecem serviços de câmbio para os usuários dos BLCAs, também são chamados de mercados digitais (digital marketplace), geralmente cobram uma taxa que a maioria deduz da quantidade negociada antes de entregar ao cliente/comprador. A partir da realização de um cadastro com dados pessoais e geralmente com entrega de uma foto (tipo selfie, por exemplo) o usuário tem acesso a uma plataforma de negociação (compra e venda) dos ativos criptográficos. Cada corretora tem características particulares podendo aceitar moeda corrente ou outros ativos criptográficos como contrapartida da operação. Exemplo: compra de um ativo criptográfico mediante depósito de moeda corrente na conta da corretora ou transferência de outro ativo criptográfico para a conta indicada pela corretora em valor equivalente ao preço do ativo que se quer comprar. As corretoras atuam fazendo a conexão entre vendedores e compradores. Exemplos de corretoras: Coinbase e Mercado Bitcoin.

Criptografia: É uma técnica usada para se converter dados em códigos secretos para transmissão em uma rede pública. Atualmente a criptografia é feita digitalmente e o texto original é transformado em um texto cifrado por meio de algorítimos de criptografia. Esse texto cifrado poderá ser descriptografado e transformado novamente em texto simples.

DAO - Organização Autônoma Descentralizada / DAC - Corporação Autônoma Descentralizada: A palavra organização remete a idéia de uma entidade regular (constituída legalmente) com endereço e funcionários voltados para a sua existência diária. No entanto organização neste caso significa uma série de regras codificadas em forma de programa de computador, sem nenhum contrôle governamental (descentralizado) mas que são disponibilizados de forma transparente para toda a comunidade que inclusive poderá detectar falhas/fragilidades e indicar correções no programa. Esse programa pode servir para a execução de tarefas como emissão de moedas virtuais ou tokens, registros cartorários, rastreamento de produtos, arquivamento de diplomas/documentos, etc. Além de permitir o registro, o sistema também agrupa, verifica e mantém um arquivo em formato de blocos interligados, de forma sequencial, recebendo o nome de Blockchain. Cópias integrais desses registros também são atualizados distribuídos de forma contínua e descentralizada ficando disponíveis para todos os usuários da rede, inclusive para consultas públicas por qualquer interessado a partir de um computador conectado a internet, desde a primeira transação até a última. Ainda não foi criado uma definição legal para este tipo de organização.

DLT - Tecnologia de Livro Distribuído e Blockchain: O DLT é um banco de dados compartilhado de forma consensual e sincronizado que opera numa rede espalhada por vários locais, empresas, países ou regiões geográficas. Cada participante se torna um nó da rede e poderá consultar todos os registros desse banco de dados bem como poderá guardar uma cópia fiel desses registros. Todas as alterações processadas pelo sistema devem ser divulgados para todos os demais participantes em curto espaço de tempo. Essas transações, por sua vez, são consideradas válidas somente após verificação e confirmação por outros participantes da mesma rede através de um processo chamado de prova de trabalho (pof - proof of work). Os participantes que realizam este tipo de verificação são chamados de mineradores. Muitos definem este sistema como um livro razão (registra transações e saldos). É mais comum a adoção do modelo DLT para sistemas que de alguma forma são controlados parcialmente ou até totalmente, perdendo a característica da descentralização total que existe em muitos Blockchains, como é o caso do Bitcoin.

ICO - Oferta Inicial de Moedas: ICO (Initial Coin Offering) tem certa semelhança com o sistema de IPO (Initial Public Offering) do mercado de capitais que é utilizado por empresas em geral para abrir seu capital, colocando ações em negociação nas bolsas de valores. ICO são usadas para captação de fundos visando a criação de uma nova moeda, aplicativo ou serviço. Os interessados podem comprar essa oferta pagando em moeda convencional ou usando outras BLCA’s já existentes, como Ethereum. Aportando recursos numa ICO o investidor recebe um token digital criado especificamente para o lançamento do ICO. Esse token dá direitos futuros ao seu titular como prestação de serviços ou troca por ativos criptográficos, conforme objetivo do projeto, que estará detalhado num documento chamado de “write paper”. Não existindo Blockchain pronto o novo projeto pode ser lançado usando-se outro Blockchain já existente. O Blockchain do Ethereum é um dos mais usados para este tipo de finalidade. Quando o Blockchain do projeto é concluído ocorre a migração dos tokens do “hospedeiro” provisório para o Blockchain definitivo.

Mineradores: São participantes da rede que verificam, validam e confirmam as transações realizadas com os BLCAs. Considerando a idéia de livro razão os mineradores podem ser considerados os guarda livros (atualmente chamados de contadores) responsáveis por processar (registrar, validar e publicar) as transações. Uma transação só pode ser considerada válida (completada) após a sua inclusão num bloco (aceito pelos demais usuários da rede). Devido ao alto consumo de energia gasto no processo de mineração dos sistemas que adotaram o PoW - Proof of Work como é o caso do Bitcoin os mineradores procuram lugares onde a energia é barata, como Finlândia e China para instalarem suas centenas ou milhares de computadores. Esses locais também são conhecidos como fazendas de mineração.

Mineração Solo ou Combinada : Mineração solo é aquela realizada individualmente mas nos sistemas com alto grau de dificuldade para a realização do processo de mineração a mineração solo é inviável. Os créditos pela mineração de um bloco são gerados a favor deste minerador individual. Na mineração realizada no formato de “pool” os recursos / equipamentos dos participantes são reunidos e direcionados para a mineração do próximo bloco. As recompensas são divididas e distribuídas entre os participantes do “pool”. A distribuição é feita proporcionalmente, de acordo com o poder de mineração agregado por cada participante. No caso do Bitcoin cerca de 80% do poder de mineração (Hashes) está dividido entre seis ou sete grandes pools de mineração (exemplos: BTC.com, Poolin, F2Pool, ViaBTC e Antpool).

PoS - Proof of Stake - Prova de Participação: Nasceu como alternativa ao PoW (Proof of Work - Prova de Trabalho) entre outras questões devido ao alto consumo de energia e custo dos equipamentos usados no PoW. Inicialmente um participante interessado em atuar numa rede que utiliza esse sistema deve provar que possui uma determinada quantidade de moedas virtuais do sistema onde quer atuar. Quanto mais moedas o participante possuir maiores serão as chances de sucesso na escolha para a execução do trabalho. De forma bem resumida e simplificada, neste sistema, a escolha do responsável pela execução da tarefa de conferência/validação do próximo bloco é feito por sorteio. Ou seja, não existe a corrida contra o tempo onde milhares de mineradores tentam minerar o próximo bloco, como ocorre no PoW, apenas um minerador escolhido por sorteio executa a tarefa, sem concorrência. Ao realizar o processo de escolha o sistema “bloqueia” determinada quantidade de moedas do participante sorteado. Se esse participante comprometer ou realizar qualquer processo indevido na mineração do bloco perderá essas moedas alocadas a título de garantia. Existem algumas variações criadas nos diferentes blockchains que já adotaram ou pensam em adotar esse sistema (exemplos: Ethereum x Casper; EOS x Delegated PoS; Cardano x Ouroboros). No sistema PoS, para diferenciar, um bloco é forjado enquanto no sistema PoW o bloco é minerado.

PoW - Proof of Work - Prova de Tabalho: Neste formato os participantes da rede que atuam no processo de mineração (validação das transações) atuam concorrendo uns contra os outros tentando resolver quebra cabeças criptográficos. O objetivo é finalizar primeiro um bloco agrupando várias transações para que seja incluído na cadeia sequencial de blocos do sistema (Blockchain). Aquele que finaliza primeiro a tarefa com sucesso (o bloco tem que ser validado por outros usuários da rede) é recompensado com os BLCAs que são gerados pelo sistema (é uma espécie de pagamento para incentivar participantes da rede no sentido de alocarem poder de computação para processarem transações realizadas com as moedas virtuais, mantendo o sistema em funcionamento). Quando um novo bloco é acrescentado na cadeia de blocos do sistema todas as transações contidas neste bloco e nos demais blocos anteriores são considerados imutáveis, não havendo nenhuma possibilidade de estorno ou cancelamento, mesmo que seja de uma transação indevida. O principal usuário e também criador do sistema PoW é o Bitcoin. Ao contrário do sistema PoS onde apenas um minerador executa a tarefa sem concorrência neste sistema PoW todos os mineradores concorrem entre si consumindo energia para a realização, em tese, da mesma tarefa (validar transações numa fila e formar o próximo bloco da cadeia).

Taxa de Transação e Recompensa por Bloco : Os equipamentos (computadores) usados para realizar o trabalho de validação são caros, exigem manutenção constante, quebram e tem que ser substituídos de tempos em tempos. Além disso esses equipamentos consomem alta quantidade de energia para realizar o processo de descriptar dados das transações. Para a realização desses serviços de validação das transações as mineradoras são recompensadas com BLCAs recém criados e por taxas de transação. A taxa é o custo pago pelos serviços de validação realizados pelos mineradores, sem o qual o valor não chegará até a conta destino da transação. Essa taxa é paga ao minerador que incluiu com sucesso uma transação num bloco aceito pela rede. Quanto maior for a taxa maior será a chance do minerador incluir a transação no próximo bloco.

Carteiras (Wallet) Digitais e Fornecedores: O documento do FMI explica que carteira digital é um programa de software onde os BLCAs são armazenados (transcrevo um trecho em inglês: ” …wallet is a software program where BLCAs are stored ”) . Mas, trata-se de um equívoco. Olhando o site investopedia que é indicado como fonte no documento do FMI constatamos que depois da frase acima vem a seguinte: “To be technically accurate, Bitcoins are not stored anywhere ”. Ficou ainda mais confuso, ao invés de “anywhere” me parece que a palavra “Blockchain” ficaria melhor. As carteiras digitais são criadas com dois tipos de chaves criptográficas (privada e pública). Vou acrescentar o restante do texto sobre carteira digital por minha conta. Até onde vai meus modestos conhecimentos da lingua inglesa, a palavra “store” signifca armazenar. As carteiras digitais não armazenam as moedas digitais, criptomoedas ou mesmo os tokens, guardam apenas os números das contas. Existem digitalmente e não saem do Blockchain, apenas podem ser movimentadas dentro do próprio sistema de uma conta para outra, eventualmente alguns projetos fazem a destruição. As carteiras digitais apenas acessam as informações guardadas no Blockchain mostrando o saldo e as transações da conta que você cadastrou na carteira. Aliás, tendo o número da conta é possível consultar o saldo e todas as transações de qualquer conta existente no Blockchain do Bitcoin. Quando você compra moedas virtuais ou criptomoedas elas não saem do Blockchain para ficarem “armazenadas” no seu smartphone, pen drive ou HD do PC, onde está instalado o aplicativo da carteira digital. Essas carteiras simplificam o processo de movimentação imitando o processo de transferência de saldos ou pagamentos realizados com saldos bancários. Outra característica que confunde usuários iniciantes é o número da conta (aquele monte de letras e números) que muda a cada transação realizada, mas sempre se refere a mesma conta. As carteiras exigem muita atenção. Elas possuem um sistema de “recuperação” no caso de perda, roubo ou quebra do aparelho onde estava instalado, mas isso requer o uso de um conjunto de palavras que deve ser habilitado logo que se instala o aplicativo, de preferência ou tão logo você tenha ciência dessa necessidade, como agora . Se isso não for feito ou se essas palavras de recuperação forem perdidas adeus saldo da carteira, não existe possibilidade de troca, substituição ou recuperação posterior tanto das senhas ou do conjuto de palavras perdidas/esquecidas. Estima-se que cerca de 25% da quantidade de Bitcoins já criados estão perdidos para sempre dentro do Blockchain do Bitcoin, muitos por causa da perda da senha de acesso a carteira digital. Portanto, todo cuidado é pouco. Para encerrar, desde que foi criado até 07/11/19 o Blockchain do Bitcoin não sofreu nenhum ataque, grande parte das perdas ocorreu por acesso as carteiras digitais dos usuários, igual as perdas dos saldos em contas de bancos, os ataques são feitos nos clientes e não diretamente nos sistemas dos bancos. Grandes investidores e empresas podem usar carteiras que exigem duas ou mais senhas para serem acessadas ou para realização de transferências.

Nota: o documento do FMI indica os sites abaixo para maiores detalhes sobre cada um dos tópicos do glossário:

https://www.worldbank.org/en/topic/financialsector/brief/blockchain-dlt

Concluímos esta adaptação do texto do FMI originalmente em inglês que é um material simples e objetivo sobre o tema das moedas virtuais ou Ativos Criptográficos, como definiu o FMI. Tirando o escorregão no final sobre carteiras digitais o material foi bem honesto.

Eu sempre me impressiono com a riqueza de informações nos seus posts. Obrigado por manter o conteúdo da tribocrypto neste alto nível.

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