Obs.: Esta postagem tem como objetivo único e exclusivo relatar uma curiosa ligação entre alguns protestos recentes envolvendo jovens e o uso de um símbolo que conecta estes protestos ao redor do mundo, que é representado por uma bandeira pirata criada num quadrinho de origem japonesa, sem que os protestantes destes vários países tenham algum tipo de liderança comum entre eles. Em hipótese alguma estamos propondo ou sugerindo a realização ou a continuidade de protestos, por qualquer motivo em qualquer país.
Introdução
Não vamos entrar em detalhes sobre a série de mangá (quadrinhos japoneses) chamada One Piece, criado por Eiichiro Oda porque existe bastante material disponível em português. Como sempre vamos deixar alguns links para os eventuais interessados no final desta postagem. Apesar de ser descendente de Japoneses e fã de quadrinhos na infância, confesso que não sou leitor de mangás. Entre outros motivos, talvez seja porque os mangás chegaram com força por aqui depois que a minha fase de leitor assíduo de gibis já tinha passado.
O nosso intuito aqui é abordar uma questão curiosa e talvez interessante que tem sido uma espécie de ponto em comum que conecta protestos por motivos diferentes que ocorreram neste ano em alguns países tais como: Nepal, Madagascar, Peru, Marrocos, Filipinas e Indonésia. A principal ferramenta usada para organizar e mobilizar os manifestantes são as redes sociais, mas esse não é o nosso tema por aqui. O ponto em comum e que tem chamado alguma atenção ou curiosidade é a presença de uma bandeira com um símbolo pirata estilizado com uma caveira usando chapéu vermelho e dois ossos fazendo um X, também conhecido como Jolly Roger. Esse símbolo aparece na capa do primeiro volume do mangá One Piece, com a caveira dentro da letra “O”. Aparentemente esse símbolo “conecta” informalmente os jovens da Geração Z (jovens na faixa etária dos 15/16 aos 28/30 anos) de países diferentes e até distantes que saem às ruas para protestar por motivos comuns ou não, dependendo do país.
Imagem parcial retirado em 01 12 2025 de: One Piece – Wikipédia, a enciclopédia livre
Outra característica aparentemente comum na maioria dos casos é a não existência de um líder específico em cada país onde eles acontecem. De certa forma faz sentido considerando que os protestos geralmente são contra governantes populistas que estão ocupando o poder e desfrutando das suas benesses há bastante tempo.
Nepal
No Nepal os protestos foram contra a corrupção e o nepotismo (colocação de apadrinhados, geralmente parentes, em cargos públicos). Os protestos começaram no dia 08 de setembro de 2025 e acabaram se espalhando por várias regiões do país. O estopim foi a proibição de acesso da população a plataformas de mídia social. Guardadas as devidas proporções é uma espécie de tentativa dos tempos atuais de culpar o mensageiro por notícias ruins, que são ruins apenas pela ótica de quem quer proibir a veiculação destas notícias. É possível resumir numa frase o tempero dessa revolta: Governo que junta corrupção e nepotismo esbanjando e ostentando riqueza combinado com má gestão dos impostos pagos pela população tentando bloquear a divulgação de notícias a respeito destes desmandos. O mandatário populista de plantão sempre tenta reprimir qualquer tipo de revolta contra seu governo, afinal de contas todos os desmandos que ele e seus apadrinhados praticam é para o “bem do povo”. No os protestos resultaram em dezenas de mortes e centenas de feridos. O prédio do Parlamento e vários edifícios do governo foram atacados e incendiados, inclusive as residências de vários líderes políticos incluindo alguns ex-governantes. Apesar da revogação da proibição de acesso as plataformas de mídia social ter ocorrido ainda no dia 08 os protestos continuaram pelos dias seguintes. A decretação de toque de recolher em várias cidades e com o exército tentando conter a revolta não conteve os protestos. No dia 12 de setembro o parlamento foi dissolvido e a Sra. Sushila Karki, ex-presidente do Supremo Tribunal do Nepal foi empossada como primeira-ministra interina. Sushila Karki foi apoiada por representantes da Geração Z tendo sido a favorita em votação feita no Discord num grupo que contou com mais de 145 mil usuários e acabou sendo referendada pelo exército que estava controlando o país.
Madagascar
Em Madagascar a falta de energia e água motivou os protestos. Os protestos foram chamados de Movimento Leo Délestage (délestage é uma palavra de origem francesa e significa racionamento de energia). Além da capital Antananarivo os protestos se espalharam por outras cidades do país. O estopim foi a violenta repressão das forças de segurança contra as manifestações realizadas no dia 25 de setembro de 2025 por causa de constantes cortes no fornecimento de água e energia que chegam a durar até 12 horas. Ao perceber que protestos contra os constantes cortes de água e energia estavam sendo marcados pelas redes sociais o governo de plantão proibiu a realização dos protestos e colocou uma grande quantidade de forças policiais nas ruas. Na data marcada os locais previamente escolhidos para a realização dos protestos amanheceram isolados e fortemente protegidos. Ao longo do dia as forças policiais entraram em confronto com os manifestantes usando balas de borracha e gás lacrimogênio. Como ocorreu em outros protestos recentes, algumas residências de políticos foram invadidas e incendiadas pelos manifestantes. Entre as medidas de contenção ocorreu a decretação de toque de recolher que inicialmente abrangeu a capital. Com o surgimento de protestos em outras cidades que estavam vulneráveis devido ao deslocamento de parte das forças policiais para a capital a decretação do toque de recolher foi estendido para outras cidades. Os protestos continuaram pelos dias seguintes. A partir do dia 29 de setembro os manifestantes que continuavam marcando novas manifestações começaram a pedir a renúncia do presidente Andry Rajoelina, que acabou fugindo do país. Mais de vinte pessoas morreram, mais de cem ficaram feridas incluindo jornalistas que estavam cobrindo as manifestações. Madagascar é um dos países mais pobres do mundo e segundo estimativas do Banco Mundial cerca de 22.5 milhões de uma população estimada em 30 milhões vive abaixo da linha de pobreza. Desde 2009 Madagascar é comando pelo mesmo grupo político. Não é regra, mas como ocorre em várias situações deste tipo, junto com as manifestações ocorreram saques que resultam no fechamento do comércio e por fim na escassez de produtos básicos, outro fator que gera mais revolta e mais saques.
Peru
No Peru os manifestantes se protestaram contra a reforma da previdência, a corrupção, a falta de segurança e pediam a convocação de uma assembleia constituinte para elaboração de uma nova constituição. Os protestos começaram no dia 15 de outubro de 2025. Os manifestantes tentaram chegar ao prédio do Congresso protestando contra o presidente interino José Jeri que tinha tomado posse poucos dias antes. A governante anterior Dina Boluarte tinha sido destituída por decisão do Congresso Peruano (impeachment em votação unânime) sob acusação de “incapacidade moral”. Em seguida o Congresso deu posse a José Jeri que era Presidente do Congresso Peruano e primeiro na linha de sucessão. A própria Dina Boluarte já era alvo de protestos por parte de jovens peruanos, entre outros motivos por causa do rolexgate, quando uma reportagem mostrou que ela usava vários relógios luxuosos não declarados legalmente durante aparições públicas. As manifestações, como outras ao redor do mundo, foram convocadas via redes sociais por grupos civis, sindicatos de trabalhadores e jovens. Entre outros motivos o descontentamento com o novo presidente José Jeri tem como causa uma suposta acusação de violência sexual praticado durante uma festa. A acusação foi arquivada por falta de provas a pedido do Ministério Público. Pelo menos uma morte é contabilizada como resultado destes protestos. Estima-se que cerca de 20 civis e 55 policiais ficaram feridos por causa da manifestação.
Marrocos
No Marrocos os protestos começaram no final de setembro contra gastos para a realização da copa do mundo de 2030. Como ocorreu em outras manifestações ao longo do ano de 2025, o Marrocos é o palco de manifestações feitas com a marca da Geração Z. O movimento foi batizado de GenZ 212 inspirado por outros protestos liderados por jovens na Ásia e na América Latina. No final de outubro o servidor do Discord do GenZ 212 contava com mais de 130 mil participantes, sinalizando uma grande adesão dos jovens ao movimento, considerando que a população estimada do Marrocos é de cerca de 40 milhões e um terço é formado por jovens. Até o início do mês de outubro o resultado era de três mortos, cerca de 350 feridos e mais de 400 manifestantes presos. Tal como vimos aqui no Brasil antes da realização da copa de 2014, os manifestantes cobram reformas sociais, mais investimentos em Saúde e Educação e reclamam dos investimentos para a realização da copa do mundo em 2030. Em outro paralelo com a nossa realidade os manifestantes reclamam das péssimas e precárias condições dos serviços hospitalares. O combo que cobra melhoria nos serviços públicos tais como saúde e educação, mais oportunidade de emprego e combate à corrupção caberia perfeitamente aqui no Brasil. A diferença é que o Marrocos é considerado um país relativamente seguro, principalmente nos locais turísticos. Uma realidade bem diferente da nossa neste quesito. Em algumas cidades as manifestações pediram a renúncia do primeiro ministro e o fim da corrupção. As manifestações ocorreram em diversas cidades e de diversos tamanhos partindo desde a capital Rabat até chegar no outro extremo do país, em Tanger. O grau de violência nos confrontos entre manifestantes e forças segurança aumentou com o passar dos dias e há relatos de bloqueio de estradas em alguns pontos. Prédios e carros foram incendiados e alguns saques foram relatados, enquanto forças policiais disparavam contra os manifestantes que por sua vez tentavam tomar as armas dos policiais. Estima-se que a taxa de desemprego entre os jovens no Marrocos atinge quase 36% chegando a 19% entre os que tem graduação de nível superior segundo dados estatísticos do próprio governo local. O sistema político do Marrocos é conhecido como Monarquia Constitucional. O Monarca exerce a função de Chefe de Estado, comandando por exemplo as Forças Armadas. O parlamento é eleito e escolhe o Chefe de Governo que passa por uma espécie de aval do Monarca. Entre outras atividades o Chefe de Governo comanda áreas como Economia e Saúde.
Filipinas
O foco dos protestos de setembro de 2025 nas Filipinas teve como foco a suposta corrupção envolvendo agentes públicos e empreiteiros envolvidos com projetos de controle de enchentes e se concentraram na capital do país, Manila. Segundo relatos apurou-se que falsos projetos de controle de enchentes drenaram bilhões de dólares arrecadados via impostos dos contribuintes. A prática não é nova, aliás é conhecida e praticada em todos os locais onde há corrupção. Agentes públicos como políticos e funcionários do governo ligados à ministérios ou departamentos envolvidos com obras públicas supostamente cobrariam propina de empresas ou empreiteiros que prestam serviços ou fazem obras públicas. No caso específico as obras tinham como objetivo combater enchentes, em outros casos pode ser para construção de rodovias, prédios públicos, portos, aeroportos, usinas etc. No recente caso das Filipinas, entre os anos de 2023 a 2025 estima-se que perto de 2 bilhões de dólares foram desviados por causa da corrupção que ocorreu especificamente em projetos de controle de enchentes. Tais projetos quando foram “concluídos” eram de péssima qualidade e outros tantos aparentemente nem chegaram a sair do papel, eram “projetos fantasmas”. Outros relatos chegaram a indicar que os valores supostamente desviados podem estar perto da casa dos 10 bilhões de dólares. O caso está sob investigação, o presidente da Câmara dos Representantes foi demitido e o presidente do Senado foi afastado. Ambos são suspeitos de envolvimento no esquema de fraudes. Os confrontos entre manifestantes e forças policiais resultaram na detenção de mais de 200 manifestantes e quase 100 policiais feridos, alguns gravemente. Houve manifestação em outras cidades além da capital. Entre os detidos havia 89 menores. A Filipina está localizada no sudeste do continente asiático sendo um arquipélago com 7.107 ilhas. É uma região frequentemente atingida por tufões, que é o nome regional dado a ciclones tropicais que se formam no oceano pacífico e atingem a região com ventos acima de 119 km/h combinado com ocorrência de chuvas torrenciais. Nas Filipinas a média é de 20 tufões por ano e em 2024 num único mês ocorreram seis ciclones tropicais que causaram mais de 160 mortes.
Indonésia
Na Indonésia os manifestantes também protestaram contra a corrupção e as mordomias que os políticos criaram para si. Os protestos começaram no início do ano de 2025 e se intensificaram no final do mês de agosto. O estopim foi a morte de um moto taxista que foi atropelado por um veículo da polícia que estava reprimindo violentamente um protesto que estava ocorrendo no dia 28 de agosto de 2025. O protesto era contra as demissões em massa e contra o aumento nos subsídios de residência para membros do parlamento, que aqui no Brasil é conhecido como auxílio moradia. Em algumas cidades edifícios governamentais e residências de políticos foram atacados e saqueados pelos manifestantes. Além do auxílio para moradia os parlamentares já recebem auxílio alimentação e transporte. Para sustentar o pagamento dessas benesses, como não poderia deixar de ser, os parlamentares aprovaram aumento nos impostos sobre a propriedade. O valor do auxílio moradia que tinha sido proposto era de USD 3,057 e representava cerca de 10 vezes mais do que o valor do maior salário mínimo pago em Jacarta, a capital do país e maior do que o valor pago em outros locais da Indonésia.
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