Parte da capa do livro
Este livro estava na minha lista e por acaso eu descobri que é possível baixar o livro em PDF no site da USP, que eu já citei em outra postagem neste site. Resolvi compartilhar o link para quem eventualmente se interessar. Nos tempos atuais onde Ucrânia e Faixa de Gaza aparecem no noticiário de manhã até a noite dizem que este livro é interessante para entender geopolítica. Não vou me estender muito porque estou no começo da leitura.
Para o autor do livro, Jared Diamond, o livro definido numa frase: “A história seguiu diferentes rumos para diferentes povos devido às diferenças entre os ambientes em que viviam e não devido a diferenças biológicas entre os povos”.
O autor tenta explicar porque a Europa, a Ásia, a Oceania e as Américas não foram colonizados pelos Africanos. Foram os Europeus que colonizaram os demais continentes incluindo a própria África, berço dos humanos modernos. Ou seja, em princípio e pela ordem natural das coisas o normal seria os Africanos colonizarem e escravizarem os Europeus e Americanos e não o contrário. A pergunta que se faz no livro e que se tenta responder é por qual motivo isso ocorreu. A resposta começa pelo próprio título do livro, armas de metal, animais domesticados como cavalos e doenças contra povos armados com paus, pedras e sem imunidade biológica contra germes trazidos pelos invasores.
Outros fatores também são trazidos como a importância da escrita e por consequência das invenções que puderam ser registradas. Também há um fator de natureza geográfica que explicaria os diferentes ritmos de expansão e de evolução dos povos. A Eurásia, como o próprio nome diz é formado pelos países Europeus e Asiáticos. Olhando no mapa nota-se que é uma grande porção de terra que tem um eixo predominantemente horizontal ou oeste-leste. Já o continente Americano e Africano tem eixo vertical ou norte-sul. A localização geográfica também explica questões como clima temperado da Eurásia ser considerado melhor do que o tropical dos países próximos e ao sul do equador. A questão climática também afeta a produção de alimentos que é outro fator considerado importante para uma evolução mais acelerada dos países da Eurásia em relação a outros Americanos e Africanos.
É claro que não dá para se basear numa obra do campo da história para extrair explicações completas e finais sobre as diferenças econômicas evidentes entre os países que estão localizados acima do equador e os que estão abaixo. Todavia é um bom ponto de partida e talvez por causa disso é uma obra que costuma ser citada entre os que abordam o tema da geopolítica.
Link para o livro em PDF:
Vídeo com palestra sobre o que é geopolítica que já postei anteriormente:
/ As notas abaixo não são opiniões pessoais e sim um breve resumo do trecho lido /
Nota 01 (16/10/23): Para quem tem forte apego a teoria criacionista e tem dificuldade em lidar com a teoria evolucionista sugiro pular o o Capítulo 1 - O Ponto de Partida, ou nem se aventurar na leitura.
Nota 02 (18/10/23: O ambiente afeta as sociedades humanas, desde sempre. Fatores que influenciam o desenvolvimento de um país: tamanho da extensão territorial, clima, isolamento ou não e recursos geológicos, naturais e biológicos. Outro fator fundamental é o tamanho da população e a sua densidade (mais agrupadas em comunidades ou dispersas nos campos). Esta influência ocorre m todos os sentidos indo desde o nível dos avanços tecnológicos e seus reflexos na economia passando pela organização política da sociedade que se estrutura em maior ou menor grau. Um ponto de virada nesse processo é a passagem do modo de sobrevivência baseado na produção para o próprio sustento tanto da caça e pesca como da agricultura para o modo de produção em excesso que cria a possibilidade de trocas. O excesso da produção de alimentos permite que parte da população se dedique a outras atividades importantes como construção de casas, utensílios domésticos, manutenção de exércitos, produção de armas e sustento de líderes que fazem a gestão das comunidades. No passado, em geral, as comunidades que se dedicavam exclusivamente a sua própria subsistência foram dominadas por outras mais organizadas, estruturadas e tecnologicamente melhor preparadas. Todas estas atividades são possíveis desde que haja excesso de produção, alguma liderança estruturada e recursos naturais à disposição. Até mesmo o fato de um grupo atacar, saquear e dominar outro dá experiência para planos futuros de expansão, geralmente territorial com motivos anexos como mão de obra (escravização) e busca de recursos.
Nota 03 (20/10/23): A história é clara. O novo mundo (a América de norte a sul) foi colonizado pelos Europeus. Menos de 200 homens sob o comando do conquistador espanhol Pizarro, por exemplo, venceu uma batalha contra mais de 80 mil índios Incas, capturando o seu maior líder, reverenciado como um deus. Alguns fatores que explicam esse resultado e a vantagem dos conquistadores e colonizadores Europeus: 1) o conhecimento da escrita; 2) o uso da tecnologia (armaduras e armas de metal contra tacapes de madeira, pedras e roupas ou adornos mais frágeis), capacidade de construção de navios e uso de cavalos domesticados); 3) a disseminação de doenças infecciosas endêmicas comuns na Eurásia que foram trazidas pelos conquistadores entre os índios que não tinham imunidade; 4) a estrutura social organizada dos Europeus (imperador, governadores, exércitos, etc.); e 5) tudo foi feito em nome de sua Majestade Católica Imperial, o rei da Espanha Carlos I para levar Deus aos infiéis. Frades participavam das expedições e perdoavam antecipadamente os soldados europeus pelas matanças dos infiéis. Em uma frase: armas, germes e aço contra paus, pedras e povo sem imunidade.
Nota 04 (21/10/23): Uma fase importante da evolução humana foi a domesticação de animais e a passagem do ciclo de caça e coleta de plantas disponíveis na natureza para a fase do consumo de alimentos produzidos para si mesmo e fornecer para outros humanos além de estocar o excesso. Foi na Eurásia que esse processo de desenvolveu de forma consistente. A produção própria de alimentos mostrou-se muito mais eficiente do que o processo de caça e coleta. A produção própria é otimizada e caso não haja imprevistos praticamente tudo pode ser aproveitado. Animais podem fugir, atacar de volta ou serem muito grandes para serem caçados com armas rudimentares. Plantas em sua maioria não são comestíveis e ainda podem ser perigosas para a saúde. Foi aqui que nasceu o sedentarismo, quem domesticou animais e aprendeu a produzir seus próprios alimentos fixou-se num lugar ao contrário dos caçadores e coletores que precisam se movimentar constantemente atrás de alimentos. A produção e estocagem de alimentos em excesso permitiu o surgimento de especialistas que podiam se dedicar única e exclusivamente na produção de utensílios, armas, armaduras ou adornos sem ter que ir atrás de alimentos. A vantagem de uma vaca domesticada que produz leite, ara terras, transporta muito mais peso em relação aos humanos, se reproduz e até fornece carne em relação a quem simplesmente mata uma para consumir é evidente. Mais calorias trouxe aumento da população , que se estrutura melhor sendo que alguns crescem, se transformam em reinos, dominam territórios, se defendem melhor e tem mais capacidade tecnológica para conquistar e subjugar outros povos (como ocorreu no caso dos conquistadores Espanhóis vencendo os Incas). Esse processo evolutivo ocorreu especialmente de forma mais acelerada no espaço geográfico da Eurásia e não ocorreu nas Américas, na Austrália e na África que, por consequência, foram subjugados e colonizadas pelos Europeus.
Nota 05 (24/10/2023): Quem têm e quem não têm pode explicar a diferença entre vencer ou não. A produção de alimentos se desenvolveu em grande parte nos locais que não eram os mais apropriados e somente depois chegaram nas regiões mais férteis. Em considerável proporção a prática foi importada pela chegada de plantas comestíveis ou de animais domesticados trazidos pelos invasores. Este processo foi se repetindo ao longo do tempo em diferentes momentos da história, ou seja, não houve um processo linear de desenvolvimento, a gente sabe bem disso. A título de curiosidade trigo, ervilha, azeitona, ovelhas e cabras foram “domesticados” aproximadamente 8.500 a.C.; e arroz, milho, batata, mandioca, porco e bicho da seda cerca de 3.500 a.C. Essa “domesticação” de plantas e animais ocorreu em momentos muito distantes na linha do tempo e em locais também distintos e distantes um do outro, como Ásia oriental, Europa e América. A conclusão é que foi em poucos lugares do mundo que a produção de alimentos desenvolveu-se de forma independente, em momentos diferentes da história e foi a partir destes núcleos que os povos das regiões vizinhas aprenderam o processo de “domesticação”, seja copiando ou sendo dominado, colonizado e até exterminado. Quem dominou o processo de produção e “domestimação” de alimentos e de animais saiu na frente no caminho que levava até as armas, os germes e ao aço.
Nota 06 (26/10/23): Por quais motivos os povos que viviam da caça e da coleta de alimentos e habitavam regiões próximas das que eram habitadas por povos que produziam alimentos não mudaram seu estilo de vida, ou demoraram até milhares de anos para fazê-lo, mesmo chegando a interagir com estes povos, em algumas regiões? Há casos de povos que mudaram e centenas de anos depois voltaram a viver da caça e da coleta. As coisas foram meio que acontecendo por escolhas feitas aqui ou ali por um povo ou por outro. Tem mais a ver com decisões inconscientes tomadas para otimizar a alocação do tempo e do esforço basicamente braçal da época. As decisões tinham como objetivo atender prioridades e alocação de esforços pensando na sobrevivência. As escolhas eram do tipo caçar para obter alimentos para o dia ou plantar para colher no futuro sem ter a certeza do resultado devido aos riscos naturais do ambiente? Fato é que ao longo dos últimos 10 mil anos houve uma gradual evolução do processo de caça e coleta para o sistema de produção de alimentos. Verificou-se ainda que alguns povos mesclavam produção de alimentos com a caça e coleta. Fatores que podem ter levado adiante esta transição, podendo variar de acordo com a região: 1) a caça e coleta vai reduzindo a disponibilidade dos alimentos na natureza; 2) mudança climática que mostrou ser interessante produzir alimentos em boa quantidade num curto espaço de tempo; 3) o desenvolvimento de “tecnologia” para armazenar de forma segura o excesso de produção (surgiram utensílios como foices de ferro, cestos para carregar, torrar grãos para evitar que germinassem, aparelhos para moer cascas grossas e/ou duras etc.); 4) a maior densidade populacional exigiu um processo de produção própria de alimentos. A dúvida é saber se o aumento da população e a maior demanda por alimentos incentivou essa evolução do processo ou se foi o contrário, a maior produção de alimentos resultou no aumento da população. Possivelmente foi um pouco dos dois fatores; e 5) o fator geográfico ainda pode ter preservado alguns povos que viviam da caça e da coleta em algumas regiões de difícil acesso ou que não eram propícios para a produção de alimentos. Os que habitavam regiões boas para a produção de alimentos se mudaram, foram mortos ou acabaram abandonando a prática e adotando a produção de alimentos como meio de sobrevivência.
Nota 07 (29/10/2023) Os primeiros passos, ainda inconscientes, no cultivo de alimentos foram dados com base no tamanho, amargor, quantidade consumível, oleosidade e fibras. Estima-se que este processo começou cerca de 10.000 a.C. Uma descoberta que ajudou no processo de evolução foi a percepção das vantagens de escolher, preparar e molhar uma área exclusiva para o plantio que reduziu o tempo de maturação em relação aos que cresciam livremente na natureza. O ciclo de semear, esperar crescer, colher, consumir parte da produção e voltar a semear outra parte ajudou, ainda que primitivamente, no processo de mutação das características dos produtos que se tornavam melhores para o consumo. Curiosamente, na antiguidade, rabanete, beterraba e alface que nasciam em áreas cultivadas eram consideradas ervas daninhas. Parafraseando Darwin, basicamente, o processo evolutivo da produção de alimentos teve como fundamento o plantio e a seleção consciente das melhores sementes dos produtos mais apreciados. Alguns destes alimentos, como por exemplo os cereais, até hoje se constituem em importantes fontes de calorias como o trigo, arroz e feijão.
Nota 08 (01/11/23) Cerca de 80% dos alimentos produzidos através do cultivo de plantas se resume a pouco mais de uma dúzia, tais como: trigo, milho, arroz, cana de açúcar e banana. Todas já domesticadas há milhares de anos. Neste momento vale registrar a importância de uma região geográfica conhecida como “Crescente Fértil”, citada também como “berço da civilização”, que fica entre os rios Tigre, Eufrates, Jordão e Nilo e tem um formato parecido com uma lua crescente. Atualmente esta região é onde se localiza atualmente a Palestina, Jordânia, Israel, Líbano, Kuwait, Chipre e partes do Egito, Síria, Irã e Turquia. É a região que também tem um clima chamado de mediterrâneo, caracterizado por invernos amenos e úmidos e por verões longos, quentes e secos. O que explica o sucesso evolutivo desta região e dos seus habitantes em relação a povos de outras regiões está na quantidade de plantas disponíveis em abundância, no clima e topografia favorável numa região relativamente pequena. Nada tem a ver com características étnicas de um povo em relação a outro.
Nota 09 (03/11/23) Entre todos os mamíferos domesticados temos 5 que se tornaram importantes e se espalharam por todas as regiões do planeta, mesmo sendo originários de uma determinada região: vaca, ovelha, cabra, porco e cavalo. Ovelhas e cabras são originárias da Ásia. Vacas e Porcos são originárias do norte da África e da Eurásia. Cavalos são originários do sul da Rússia, atualmente da região conhecida como Ucrânia. Em comum todos têm origem na Eurásia ou no Norte da África. Os Eurasianos domesticaram 13 espécies entre 72 possíveis. A África subsaariana (países que ficam abaixo do deserto do Saara) tinha 51 espécies e não domesticou nenhuma. Nas Américas existiam 24 espécies domesticáveis e apenas uma foi domesticada. Basicamente o que podia ser domesticado já foi. Dentre as regiões destaca-se o sudoeste da Ásia ou Ásia ocidental (formado por países como Arábia Saudita, Irã, Kuwait, Iraque, Líbano, Israel e Palestina entre outros) onde cachorros foram domesticados 10.000 a.C.; ovelhas, cabras e porcos foram domesticados 8.000 a.C.; e as vacas 6.000 a.C. O motivo pelo qual pouco mais de uma dúzia de mamíferos foram domesticados num universo de quase 150 disponíveis na natureza pode ser resumido pelos seguintes pontos: a) dieta e crescimento rápido - muitos demoram anos para crescer e o custo de alimentá-los não compensava; b) facilidade de reprodução (alguns animais têm rituais de acasalamento longos e muitas vezes rude para nossos olhos, comportamento que um cativeiro pode inibir e dificultar a multiplicação da raça; c) riscos - a índole mais agressiva de alguns animais como rinocerontes, gorilas ou ursos apesar da grande quantidade de carne que poderiam oferecer; d) comportamento – animais como ovelhas e cabras gostam de ficar juntas, demoram para fugir e são mais lentas enquanto cervos e antílopes são mais ariscos e rápidas na fuga. Animais que ficam nervosos em cativeiro, em geral, não foram domesticados; e) certa estrutura social - ovelhas, cabras e vacas vivem em rebanho sem brigar por comida, território ou quando estão procriando. Em resumo a domesticação dependeu da dieta, da taxa de crescimento, dos hábitos de acasalamento, da índole, da tendência ao pânico e de algumas características básicas de organização que permitia uma convivência pacata em bandos. O processo não teve influência da etnia e sim da origem geográfica e das disponibilidades naturais, novamente muito mais favoráveis na região da Eurásia.
Nota 10 – (06/11/2023) A geografia influenciou o futuro dos povos nativos da África, da América e da Eurásia nos últimos 500 anos. A evolução da agricultura, da pecuária e da tecnologia se deu melhor no eixo leste/oeste da Eurásia em relação ao eixo norte/sul da América e da África. Uma característica da disseminação que ocorreu no eixo leste/oeste é a expansão de culturas “fundadoras” poupando o trabalho de serem “domesticadas” em outras regiões. Fato que não se constatou por exemplo com o algodão cultivado na América do Sul e do Norte, que eram geneticamente diferentes em cada região. Da Grécia, passando pelo Egito e chegando na Inglaterra temos basicamente o mesmo conjunto de plantas e animais domesticados e disseminados a partir da região conhecida como “crescente fértil”. O clima basicamente semelhante favoreceu a expansão das culturas. Descobriu-se, por exemplo, que cereais originários da região do crescente fértil floresciam na Irlanda e na costa do pacífico do Japão, regiões separadas por cerca de 13.000 quilômetros, na época de Cristo. A disseminação da escrita, da ordenha de animais, da produção de vinhos, da metalurgia rudimentar e o uso da roda seguiram de certa forma este mesmo trajeto no período aproximado entre 8.000 a.C. e 2.500 a.C. e vieram a reboque da expansão da produção de alimentos.
Nota 11 (08/11/2023) Apesar da importância vital da domesticação e da produção de alimentos em quantidades acima das que eram necessárias para a subsistência própria, que gerava excessos e por consequência alimentava outras pessoas, não foi apenas essa produção em excesso que deu superioridade aos agricultores em relação aos caçadores-coletores. Mais pessoas implicava na existência de mais interação (alfabetização), centralização das decisões (política) e melhor tecnologia (equipamentos agrícolas e armas). No entanto, nem todas as consequências do processo de domesticação foram positivas. Boa parte das doenças que nos atacam até hoje, na primeira etapa, tiveram origem nos animais domesticados, no uso de fezes como adubo e na permanência das pessoas no mesmo lugar. Com o tempo e novamente lembrando Darwin os micróbios evoluíram numa espécie de “seleção natural” que envolve uma adaptação ao meio para que pudessem se reproduzir, e com isso atingiram a segunda etapa, passaram a se propagar entre os humanos, não necessitando dos animais para se propagar. A gripe que hoje se transmite entre os próprios humanos veio de porcos e patos. Sarampo, tuberculose e varíola tem origem ancestral no gado. Essa “esperteza” dos germes tem dois lados. Se por um lado ele precisa se “alimentar” do hospedeiro também tem que se adaptar para não dizimar seu hospedeiro em pouco tempo a ponto de evitar que ele se reproduza. Esse processo é lento, mas já estava consolidado quando os colonizadores trouxeram os germes “europeus” e contaminaram os americanos nativos que não tinham anticorpos. Numa primeira etapa o ataque dos germes contra populações despreparadas, que ainda não desenvolveram anticorpos é mais devastador, chegando a dizimar 90% e até mesmo populações inteiras em alguns lugares do planeta durante o processo de colonização. Esse é um dos motivos, por exemplo, pelo qual povos como os Incas, que existiam em quantidades muito maiores do que os conquistadores espanhóis acabaram sendo subjugados por algumas centenas de soldados e cavalos portando armas e estratégias mais “tecnológicas” junto com alguns germes.
Nota 12 (09/11/2023) Além da domesticação das plantas e dos animais e por consequência da formação de agrupamentos populacionais mais densos outro fator também contribuiu de forma significativa para o surgimento de impérios. Foi o aperfeiçoamento da comunicação, caracterizado especialmente pelo surgimento da escrita, dos mapas (mesmo rudimentares), dos relatos escritos e das ordens escritas que ajudaram os povos colonizadores no processo de expansão e conquista. No processo de evolução humana a escrita foi um instrumento de poder que permitiu a disseminação do conhecimento de forma mais precisa e alcançando lugares mais distantes. O surgimento da escrita meio que traçou uma linha separando bárbaros e civilizados. A escrita nasceu basicamente da tentativa de representação de “coisas” por meio de símbolos (logogramas, exemplo: % = porcentagem) evoluindo para a representação dos sons da fala para símbolos simplificados (alfabeto, exemplo: a, b, c, d, etc.). Criar uma escrita do zero não foi uma tarefa fácil e sem dúvida copiar um sistema já criado facilitou muito a vida dos que se dedicaram a esta tarefa ao longo do tempo. Sumérios e Egípcios cerca de 3.000 a.C., os Chineses 1.300 a.C. e os índios Mexicanos 600 a.C. são considerados criadores originários de escrita, os demais copiaram, adaptaram ou se inspiraram nelas. Além da criação dos símbolos os Sumérios adotaram convenções que usamos até hoje, como escrever os símbolos em linhas ou colunas que deveriam ser lidas da esquerda para a direita e de cima para baixo respectivamente, como fazemos até hoje. Outro fator que existe desde a invenção da escrita foi a forma usada para disseminar o ensino dos símbolos numa sequência predeterminada, que também é usado até hoje: a, b, c, d, e, f … etc. Esse processo evolutivo durou várias centenas de anos e foram sendo adaptados para pronúncias particulares em diferentes regiões e povos. Um fato que pode ter ajudado na homogeneização do uso dos mesmos símbolos de forma contínua foi o acesso restrito a escrita nos primórdios da sua criação aos escribas a serviço de comerciantes e governantes. A escrita nasceu dos povos agrícolas, da vida estruturada com excedente de alimentos que mantinham especialistas fazendo política e construindo equipamentos. Já os caçadores-coletores não tinham necessidade da escrita.
Nota 13 (10/11/2023). Basicamente a necessidade é a mãe de todas as invenções. Elas surgem para atender necessidades. É claro que em algum momento da linha do tempo alguém deu a largada para a criação de um invento. Sabe-se, no entanto, que boa parte das invenções e seus inventores aperfeiçoaram, adaptaram ou se inspiraram em outras coisas já existentes. O amadurecimento da sociedade que de alguma forma foi capaz de incorporar o invento ao seu dia a dia é outro fator, caso contrário o invento acaba ficando esquecido. A tecnologia não evoluiu por causa de criações isoladas que do nada se transformam em inventos altamente úteis e usados pela sociedade. Outro aspecto dos inventos é que muitas vezes a sua utilidade vai sendo descoberta ao longo do tempo e algumas vezes acaba sendo usada para finalidades para as quais não foram inicialmente previstas. Em 1877 Tomas Edison inventou o fonógrafo e sugeriu 10 usos para seu invento, uma delas seria gravar livros para deficientes visuais. Quando surgiu a vitrola automática que funcionava com moedas Edison não gostou e somente 20 anos depois admitiu que gravar e reproduzir músicas era a principal utilidade do fonógrafo. Mesmo dentro do mesmo continente o desenvolvimento e a aceitação de novas tecnologias variam de uma sociedade para outra e também ao longo do tempo. Até 1450 a China era tecnologicamente mais avançada do que a Europa. Foi lá que surgiram, por exemplo: a pólvora, o ferro fundido, o papel, a porcelana, a impressão, a bússola magnética e o carrinho de mão. Mesmo dentro do mesmo continente a existência de sociedades conservadoras e inovadoras que pode se alternar. Até a idade média a Europa ocidental era mais “atrasada” em relação a região dos Árabes, Persas e Chineses.
Um dos processos pelos quais as novas tecnologias se difundiram é o mais simples de todos. Através do contato. Se um povo nunca viu uma roda e vê um povo vizinho usando rodas logo perceberá que aquele objeto redondo é muito interessante além de ser fácil de ser replicado. Pensando em termos de domínio e conquista, ou você incorpora e aprende a usar novas tecnologias ou pode acabar sendo dominado pelo rival que usa novas tecnologias.
Estima-se que entre 100.000 e 50.000 anos atrás o ser humano desenvolveu a fala e algumas funções cerebrais “modernas”. Com isso as ferramentas usadas até então que eram simples pedaços de ossos evoluíram para ferramentas “criadas” a partir de pedras trabalhadas e o uso combinado delas. Cerca de 13.000 anos atrás, em algumas regiões, o ser humano conheceu o sedentarismo, principalmente por causa da domesticação de animais e da produção de alimentos, fixando-se num lugar ao invés de movimentar-se continuamente. O sedentarismo propiciou a posse de utensílios que não precisavam ser movidos (primórdios do processo de acumulação de bens, enquanto caçadores e coletores carregavam apenas o essencial para sobreviver) e do exercício de atividades especializadas e que não estavam ligadas a obtenção de alimentos, cujo excesso podia ser armazenado e distribuído para estes especialistas. Esses fatores conjugados deram vantagens competitivas importantes para os sedentários em relação aos caçadores-coletores. Outro fator que ajudou bastante no processo de expansão foram as poucas barreiras geográficas e climáticas. Estas características geográficas existem na região da Eurásia. A África que está ligada geograficamente com a Eurásia tinha uma enorme barreira, o deserto do Saara. A América tinha um oceano separando os dois continentes. O fator que favoreceu o maior desenvolvimento dos Eurasianos em relação aos Americanos e Africanos foram os fatores geográficos, climáticos e populacionais (mais concorrência e rivalidade). Nada tem a ver com uma maior capacidade intelectual dos habitantes de cada continente.
Nota 14 (13/11/2023) – Tal como ainda vivem alguns animais, nossos antepassados também começaram sua jornada vivendo em bandos, geralmente formados por integrantes com algum tipo de parentesco. O passo seguinte veio com a formação das tribos, geralmente resultantes do agrupamento de outros bandos conquistados ou convencidos. No estágio inicial, mesmo com uma população relativamente maior, ainda não existia uma espécie de chefe nos bandos e nas tribos. Nesta etapa alguém até poderia se destacar entre os demais por características de liderança e carisma, todavia vivia e trabalhava como os outros. E já nesta época as pessoas tinham crenças no sobrenatural (coisas que aconteciam e não eram compreendidas como parte da natureza). Dentro desse modelo que agrupava muito mais pessoas em torno de um mesmo local surgiu uma espécie de “fio invisível” hoje chamado de religião, outro importante aspecto que alavancou as conquistas dos sedentários sobre os nômades. Ao longo do tempo, com raras exceções, a religião está presente como justificativa e motivação para a dominação de outras tribos (considerados infiéis). Na medida em que os aglomerados de pessoas foram crescendo a necessidade de organização política aumentava. Nos primórdios, quando duas pessoas desconhecidas se encontravam, as chances de um matar o outro era praticamente certa. Apenas parentes vivendo em bandos não se matavam. Com o agrupamento dos bandos em forma de tribos e por consequência da junção de grupos sem parentesco surgiu a necessidade de “administrar” e controlar a vida em grupo, de pessoas sem parentesco. Geralmente agregadas com costumes e línguas diferentes. Nesse contexto a religião tem um papel de destaque incutindo nas pessoas que não eram do mesmo grupo familiar, mas que viviam agrupadas, uma afinidade “religiosa”, uma espécie de fio invisível geralmente disseminada por alguém, que em muitos períodos também fazia o papel de divindade.
A vida “econômica” nas tribos consistia basicamente na troca de produtos entre as pessoas. Eu te dou isso e você me dá aquilo. O próximo passo dessa evolução criou a figura do chefe que recebia todos os “presentes” e depois os redistribuía entre os membros da tribo. Nessa altura os chefes já tinham algum tipo de distinção, uma roupa mais trabalhada, um lar mais sofisticado, um ou mais “ajudantes” (escravos) etc.
Quatro pontos teriam sido essenciais para transformar a vida a partir dos bandos que se matavam, passando pela convivência em tribos se tolerando até chegarmos nas bases de um estado, tal como conhecemos hoje: 1) controlar as armas desarmando a maioria das pessoas e deixando apenas uma parte da elite com acesso a elas; 2) usar o monopólio da força para garantir a ordem controlando a violência; 3) redistribuir para o povo os produtos em excesso que o líder do grupo recebia (processo que evoluiu para a cobrança de impostos para manutenção de uma estrutura estatal burocrática que devolve parte disso em forma de obras que beneficiam todos); e 4) criar uma ideologia com bases religiosas que justificasse a manutenção e continuidade daquele modo de vida. O quarto ponto contribuiu de forma significativa para a vida em grupo de tribos diferentes criando afinidade baseada na crença, superando a afinidade baseada no parentesco. Esse tipo de afinidade também construiu a base para fazer com que uns lutassem e morressem para defender seu grupo mesmo que elas não sejam seus parentes, em prol de um benefício maior como a conquista e o domínio de outras tribos. O fato central é que a maior densidade populacional foi um fator decisivo no processo de evolução.
Nota 15 (16/11/2023) – Há 40.000 anos os nativos Australianos eram considerados mais desenvolvidos do que os habitantes das regiões Europeias. Já usavam ferramentas feitas com cabos e pedras trabalhadas e navegavam em embarcações. Viviam em aldeias permanentes (em sociedade), frequentemente comandadas por um homem-grande (líder, chefe etc.). Alguns construíam casas de culto grandes e cheias de adornos. Sua arte foi notável, suas esculturas e máscaras de madeira expostas em museus são admiradas. Todavia, em um século de colonização Europeia, tudo isso praticamente foi varrido do mapa. Novamente fica a pergunta, porque os Australianos não conquistaram e colonizaram os outros continentes? O isolamento do continente, o clima hostil e as dificuldades na produção de alimentos impediram o crescimento populacional. Na Eurásia o clima e a geografia facilitaram a transformação de nômades em sedentários com domesticação de plantas e animais e produção de alimentos em escala. Mais alimentos traz aumento da população, mais competição e disseminação das inovações que surgem quando há mais mentes criando coisas. Mas nem só as inovações (escrita, tecnologia, organização política, animais domesticados etc.) foram disseminadas, junto com tudo isso vieram os germes que exterminaram os povos locais das Américas ou da Austrália, quando não eram exterminados pela matança. Em resumo a geografia teve um papel fundamental na expansão humana. Relembrando, a Austrália é um continente separado pelo mar. Na Eurásia, é possível sair de Portugal e chegar na China.
Obs.: faltam mais 5 notas (cerca de 70 páginas). Para não extrapolar o limite de caracteres de uma postagem vamos postar as demais como respostas e não dentro desta postagem.