Disclaimer: Não estamos defendendo nem atacando qualquer candidatura a qualquer cargo político nas próximas eleições. Tampouco estamos colocando em dúvida o grau intelectual que sem dúvida é bem grande e muito maior do que o meu e muito menos duvidando da sanidade do Pastore. Quem se der ao trabalho de acompanhar a entrevista verá alguém com mais de 80 anos muito lúcido, muito bem informado e apoiado numa sólida formação intelectual e acadêmica. Nossa discordância neste texto tem foco apenas na visão distorcida dele com relação as criptomoedas, que me pareceu preconceituosa e superficial.
Citando entrevista concedida por Affonso Celso Pastore (A) ao site O Antagonista, em matéria assinada por Rafael Chinaglia o site Cointelegraph (B) repercutiu algumas declarações do ex-presidente do Banco Central do Brasil e “guru” ou “conselheiro financeiro” [acho que seria conselheiro econômico] do possível/provável candidato à Presidência, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Nada temos contra a pessoa do candidato ou contra o conselheiro. Vamos repercutir a visão de mundo que foi exposta numa entrevista e compará-la com um projeto de lei que está tramitando no congresso americano. É um recorte específico relacionado ao tema central deste site, o mundo das criptomoedas.
Transcrevo abaixo integralmente duas aspas da notícia publicada no Cointelegraph e o negrito é por nossa conta:
“Criptomoeda não é um ativo, ela não tem um valor intrínseco. Simplesmente é uma coisa volátil. Ela gasta uma quantidade de energia gigantesca. Para os minininhos brincarem de comprar e vender criptomoeda, o Brasil está gastando US$ 6 bilhões. Eu acho isso uma loucura.”
“Você pode dizer ‘moeda digital seria importante?’, eu acho que o meio de pagamento, a nota que você carrega no bolso, podia perfeitamente ser substituída por um cartão de crédito e o banco central poderia emitir moeda eletrônica, dentro de um sistema de computador. O PIX faz isso. Mas isso não tem nada a ver com criptomoeda. Criptomoeda é uma insanidade coletiva, que custa muito para o mundo do ponto de vista do consumo inútil de energia, e está custando para o Brasil (e estamos só no começo da onda da criptomoeda) US$ 6 bilhões por ano.”
Estou me baseando apenas no que saiu na Cointelegraph mas acho que faltou ao pessoal do Antagonista acrescentar outra questão, o que ele pensa sobre as NFT’s, se é que ele faz alguma ideia do que seja isso. Se ele já se incomoda tanto com as criptomoedas como ele reagirá diante dos tokens não fungíveis?
Para os que nunca ouviram falar no Pastore dou uma rápida biografia. Nasceu em 1939, formou-se em economia na FEA-USP em 1961 e obteve o doutorado na mesma área em 1969, deu aulas na USP, Insper, FGV-RJ e atualmente é consultor na área de economia. Foi secretário da Fazenda do governo de SP entre os anos de 1979 ~ 1983 [governo Paulo Maluf] e presidente do Banco Central nos anos de 1983 ~ 1985 [governo João Figueiredo].
Um dos temas que está na minha agenda é a questão do gasto de energia ligado as criptomoedas {acho que sai algum texto no próximo ano…] e a outra que já abordei algumas vezes e ainda pretendo voltar a abordar […] é a questão da taxação sobre criptomoedas. E quando o tema é criptomoeda sempre vale a pena dar uma olhada no que os americanos estão fazendo. Não só porque ainda é a maior economia do planeta, porque o Bitcoin aparentemente nasceu por lá ou foi criado com participação de gente daquele país. Também não é por causa da chegada dos investidores institucionais que cada vez mais estão comprando bitcoins. Já tratei do assunto por aqui (C). Tampouco é por causa das redes de jornalismo como Bloomberg e CNBC que falam diariamente e de forma séria sobre bitcoins e assuntos afins.
O que eu quero comparar neste texto não é nenhuma visão sobre política e sim sobre duas visões do mundo partindo de duas pessoas com idades próximas. De um lado temos um economista com doutorado numa das grandes universidades brasileiras [FEA-USP – Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo] e com alguma experiência no setor público, mesmo que tenha sido há muito tempo, fazendo piadinhas sobre criptomoedas, dizendo que é coisa para “menininho” brincar e que consome muita energia. Do outro temos o presidente Joe Biden (D) nascido em 1942 que assinou um projeto de infraestrutura de mais de 1 trilhão de dólares que prevê entre outras fontes de recursos a taxação da indústria de criptomoedas. O resultado ainda vai depender das sempre calorosas discussões desses projetos nas duas casas legislativas americanas. Apesar do mercado americano de criptomoedas ser muito maior do que o nosso é neste projeto de lei que estão previstos, por exemplo, dois pontos que a nossa Receita Federal já tratou de implementar: obrigatoriedade de declaração da quantidade de criptomoedas em posse do declarante e a obrigatoriedade de as corretoras informarem ao governo as transações realizadas dentro das suas plataformas.
Talvez esta seja uma das possíveis explicações para entendermos melhor porque ainda somos o país do futuro enquanto outros países já se tornaram países desenvolvidos. É claro que a mudança de chave que traz um possível futuro auspicioso almejado e sonhado por todos nós não se faz de forma simples ou automática. Existem muitas coisas que precisam se movimentar e caminhar mais ou menos na mesma direção e neste caso não estamos falando de pessoas, grupos sociais ou mesmo de alguns grupos econômicos e até mesmo das nossas sempre presentes oligarquias regionais. É um projeto de longo prazo pensado em termos de país, mas esta é uma discussão para outro lugar e outra hora.
Voltando ao ponto me parece que os americanos estão sendo pragmáticos e nem sei se o presidente Joe Biden entende de criptomoedas, se gosta ou não desse tema. Fato é que criptomoedas já fazem parte do dia a dia da economia global e aumentam cada dia mais a sua participação nas recheadas carteiras de investimentos dos americanos. Se não dá mais para impedir que ele cresça e se transforme em realidade vamos controlar e taxar. Me parece que esta é a visão que está norteando a decisão de impor transparência no processo de negociação para que os governantes saibam quem tem criptomoedas e fazer o que os governos sempre fazem, buscar fontes de recursos criando e cobrando impostos.
Esse é o contraponto que me interessa neste caso, de um lado temos alguém que é considerado “guru” econômico de um provável candidato a presidente fazendo piadinhas sobre criptomoedas e do outro lado temos alguém [muitíssimo mais poderoso] na mesma faixa de idade sendo pragmático e pensando em taxar criptomoedas porque já se tornaram realidade e pode ser uma boa fonte de tributos, como são os demais produtos financeiros já legalizados mundo afora.
A – Affonso Celso Pastore – Wikipédia, a enciclopédia livre
D - Joe Biden – Wikipédia, a enciclopédia livre
Quem quiser acompanhar a entrevista na íntegra segue o link. O assunto nova economia, fintechs e criptomoedas começa na parte final, por volta dos 45 minutos: Pastore: "Temos a destruição do cenário fiscal" - O guru econômico de Moro na íntegra - YouTube
Sobre o projeto de lei americano que pretende regular as criptomoedas: President Biden Signs Infrastructure Bill Containing Crypto Broker Reporting Requirement Into Law