De vez em quando quem se interessa pelo universo das criptomoedas se depara com matérias que abordam a questão do “grande” consumo de energia “desperdiçado” para a mineração de moedas virtuais. É comum vermos comparação com o consumo total de um país ou alertas sobre emissão de carbono decorrentes de uma atividade que para alguns é até “ilegal”. Como já postei outras vezes, por aqui não nos contentamos com o óbvio e tentamos ir um pouco além do que se encontra por aí. Vale ressaltar que existem boas matérias sobre o tema, nem tudo é mato, mas requer algum esforço para separar o joio do trigo. Nosso objetivo não é o de esgotar o assunto ou de colocar uma pá de cal na discussão, pelo contrário, sequer chegamos a arranhar o assunto que não é exatamente fácil principalmente para quem não tem intimidade com questões ambientais, com o sistema elétrico em geral e com o universo das criptomoedas, como é o nosso caso, mas fizemos um pequeno esforço que publicamos a seguir:
INTRODUÇÃO
De acordo com o documento “The Bitcoin Mining Network – Energy And Carbon Impact” [1] publicado pela Coinshares [2] em janeiro de 2022 o consumo global de energia elétrica gasto para minerar bitcoins é de aproximadamente 0,05% do consumo global de energia. Transcrevo um trecho da página 2 do documento original “…Bitcoin’s approximate 0.05% share of global energy consumption ” (negrito nosso ressaltando que é um dado aproximado ou estimado, explicamos a seguir o motivo).
A primeira coisa importante que precisamos esclarecer quando falamos sobre dados de consumo de energia que é empregado na mineração de bitcoins diz respeito a dificuldade de se obter o máximo possível de dados e mais do que isso, que sejam confiáveis. Se por acaso você minera bitcoins na sua casa é bem possível que o seu consumo não entrará nos dados estatísticos globais. Estima-se que ainda existem mineradores atuando em modo “guerrilha” em regiões remotas do interior da China. Estes mineradores operam disfarçados usando IP’s de países como Alemanha e Irlanda. Dados de consumo destes mineradores possivelmente não entrarão nas estatísticas feitas sobre este assunto. Segundo fontes do site CNBC cerca de 20% da mineração de bitcoins ainda é feita na China. [3]
Uma das fontes interessantes sobre o consumo global de energia gasto na mineração de bitcoins é da Universidade de Cambridge. O Cambridge Bitcoin Eletricity Consumption Index [4] é atualizado a cada 24 horas com dados fornecidos pelos próprios pools de mineração.
Imagem retirada em 19/04/2022 de: Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index (CBECI)
A imagem acima mostra o menor consumo, o maior e a média atualizados a cada 24 horas. Os dados são estimados e de acordo com citação do documento “The Bitcoin Mining Network – Energy And Carbon Impact” os dados da Cambridge [5] representam entre 32% e 37% do hashrate total da rede Bitcoin. Os dados coletados diretamente pela Coinshares em dezembro de 2021 também chegaram na casa dos 31%. Ainda de acordo com o documento da Coinshares os dados dela combinados com os dados da Cambridge, desconsiderando as sobreposições, deve representar algo em torno de 50% do total de mineradores de Bitcoin conforme trecho que transcrevo da página 5 do documento original: “Our guess is that the two sets combined gives us a total network visibility somewhere not too far north of 50%”.
Imagem retirada em 19/04/2022 de: https://ourworldindata.org/
Imagem retirada em 19/04/2022 de: Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index (CBECI)
Os dados disponíveis sobre consumo global de energia demoram para serem atualizados. No site ourworldindata [6] o número mais recente é do ano de 2020 que indica um consumo global de 154,620 TWh (TeraWatt hour). Dados da Cambridge referente ao total acumulado de consumo de energia especificamente na mineração de Bitcoin nos últimos anos mostram um consumo de energia acima dos 300.00 TWh. O consumo global de energia em 2019 foi pouco acima de 161,531 TWh, em 2020 o consumo global caiu para a casa dos 154,620 TWh (pior ano da pandemia). O consumo de energia da rede Bitcoin chegou na casa dos 326.79 TWh em janeiro de 2022. Se estimarmos um consumo global de energia na casa dos 160,000 TWh com base no gráfico do site ourworldindata e considerando um gasto médio estimado de energia da rede Bitcoin na casa dos 142.17 TWh em meados de abril de 2022 com base nos dados da Cambrigde temos um consumo de energia gasto para mineração de Bitcoin em torno de 0,08%. A Cambridge assume que seus dados são obtidos dos próprios mineradores e reconhece que tais dados representam pouco mais de 1/3 dos dados totais. Considerando que a Cambridge trabalha com dados de cerca de 1/3 dos mineradores podemos estimar que em abril de 2022 o consumo total da rede Bitcoin gasto para a atividade de mineração gira realmente em torno de 0,08% do total de energia consumida em todo o planeta. A estimativa do documento da Coinshare, publicado em janeiro de 2022 foi feito com dados de 2021 (obs.: não se perca com a separação decimal dos números de TeraWatts, a vírgula é usada na casa do milhar e o ponto é usado na casa da dezena).
O consumo de energia na mineração de Bitcoins depende de outros fatores como idade dos equipamentos, os mais novos são mais eficientes e mais econômicos. Quando os preços sobem bastante existem mineradores que religam equipamentos mais antigos porque a mineração pode se tornar viável mesmo consumindo mais energia.
Outro aspecto que deve ser considerado em relação ao gasto de energia usado na mineração é o fato do consumo não ser constante oscilando de acordo com variáveis como preço, ajuste na dificuldade da mineração etc. Na média e a longo prazo o gráfico da Cambridge mostra que o consumo está crescendo e de forma rápida. A queda da recompensa para 6,25 bitcoins não desestimulou a entrada de novos mineradores e nem o lançamento de novos equipamentos.
Aqui chegamos a nossa primeira conclusão sobre a questão do gasto de energia usado para minerar Bitcoins. Sem entrar no mérito da importância do Bitcoin e do avanço que ele trouxe em termos de descentralização, confiabilidade, privatização da moeda e olhando apenas para o percentual de energia gasto para a mineração de Bitcoin em relação ao consumo global o impacto do consumo de energia na mineração de Bitcoins é mínimo.
Cumpre relembrar e ressaltar que os dados do estudo da Coinshare e do índice da Cambridge não são completos e no máximo, quando as duas fontes são agregadas, representam cerca de 50% do total da força alocada na mineração de Bitcoins devido à dificuldade para se apurar quantos mineradores de Bitcoin estão atuando em todo o mundo.
O objetivo desta introdução foi o de colocar na mesa a questão da dificuldade de se debater este assunto a partir de dados parciais. Sob outra ótica é possível aferir com boa dose de certeza que o consumo total de energia gasto na mineração de Bitcoins (cerca de 0,05%) é insignificante em relação ao gasto global de energia. E nesta linha de raciocínio, numa hipótese improvável em que 100% deste consumo de energia gasto na mineração de Bitcoins tivesse origem em fontes não renováveis o percentual de geração de carbono para mineração de Bitcoins seria muito baixo.
[1] - The Bitcoin Mining Network
[2] - https://coinshares.com/
[3] - https://www.cnbc.com/2021/12/18/chinas-underground-bitcoin-miners-.html
[4] - Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index (CBECI)
[5] - https://ccaf.io/
[6] - https://ourworldindata.org/
Continua…