Blockchain – Documentos Digitais x Autenticidade, Integridade e Confidencialidade

A primeira edição da Revista de Estudos Jurídicos do Superior Tribunal de Justiça foi publicada no dia 19/08/2020 no site do STJ e traz entre os textos publicados o seguinte artigo: USO DA TECNOLOGIA BLOCKCHAIN PARA ARQUIVAMENTO DE DOCUMENTOS ELETRÔNICOS E NEGÓCIOS PROBATÓRIOS SEGUNDO A LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA e tem como autores: Fredie Souza Didier Jr ., Livre-docente (*) pela USP e Rafael Alexandria de Oliveira , Mestre em Direito Público.

O artigo é a respeito do uso do Blockchain como forma de garantir a autoria, integridade e confidencialidade de documentos eletrônicos públicos ou privados amparando-se na Lei 13.874/2019 e na MP 2.200-2/2001. Segundo os autores nada impede a adoção do Blockchain como método de certificação de documentos mediante convenção entre as partes.

Fizemos algumas reflexões abaixo sobre este tema apoiado na conclusão do ensaio que transcrevemos a seguir : “O ensaio não tem intenção de exaurir o tema, que é complexo e abrange diversas áreas do conhecimento. A ideia é realmente a de provocar a reflexão sobre as questões aqui propostas.” e deixamos o link para acesso ao conteúdo integral do ensaio.

Eu vejo duas possibilidades distintas que podem ser interligadas ou não, a primeira é usar o Blockchain como simples local para armazenamento de documentos eletrônicos de forma segura e confiável e a segunda é evoluir para o uso do Blockchain como ferramenta para também controlar a execução de contratos inteligentes. Quem já viu um contrato sabe que um contrato precisa seguir alguns requisitos tais como a identificação das partes, o objeto (lícito) do contrato que pode ser a venda de um serviço ou de um bem, valor, forma e prazo (condições) de pagamento, cláusulas de penalidade por descumprimento do contrato ou atraso no pagamento de valores combinados etc. Juridicamente falando existem alguns requisitos que devem ser cumpridos, mas esse não é o nosso foco neste texto. Existem empresas que incluem cláusulas não obrigatórias de natureza social como a proibição de trabalho infantil e cláusulas ambientais como vedação ao desmatamento de áreas protegidas. Outra cláusula que está aparecendo em alguns contratos é a previsão do Juízo Arbitral (tentativa de solucionar conflitos sem recorrer ao sistema judiciário tradicional, mantido pelo Estado) como forma de resolução de eventuais conflitos resultantes da execução do contrato. E nesta ótica para que a adoção do Blockchain possa ser combinada entre as partes deverá constar no contrato uma cláusula mencionando que as partes concordam em utilizar o Blockchain como garantia de autoria, integridade e confidencialidade do documento assinado entre as partes (mero arquivamento) e até mesmo do cumprimento de etapas e suas eventuais consequências como realização de pagamentos parcelados após determinado evento ou data por exemplo (arquivamento e execução de rotinas programadas - smart contract ).

Confesso que senti falta nas referências bibliográficas do white paper do bitcoin, um documento essencial para qualquer ensaio sobre Blockchain e/ou Bitcoin. Não sei se não leram o white paper ou não deram o devido valor ao white paper do Bitcoin, fato que particularmente me pareceu imperdoável.

Com relação a questão das confirmações dos blocos pelos “nós” da rede entendi que os autores adotaram o Blockchain do Bitcoin como base teórica do artigo. Não é uma questão de certo e errado e sim de modelo. Caberia um detalhamento melhor dos tipos de Blockchains (acesso: privado ou controlado como Ripple , hibrido como XinFin ou público como é o caso do Bitcoin ). Considerando essas diversas possibilidades a afirmação na pág 41 de que “é improvável que alguém consiga alterar informações já inseridas na Blockchain.” pode ser válida se considerarmos o caso do Blockchain do Bitcoin (está funcionando ininterruptamente desde o dia em que foi criado em 2009), mas é uma afirmação no mínimo temerária como regra geral, para qualquer Blockchain. A confusão que pode surgir neste ponto é que leitores podem pensar que qualquer tipo de documento pode ser enviado ou salvo no Blockchain do Bitcoin, isso até pode ser feito, mas não é tão simples (custo x benefício x conhecimentos técnicos específicos). Acredito que a solução mais adequada seria a contratação de algum serviço junto a empresas já conhecidas (exemplo: fabric da IBM) e a menos adequada seria a criação de um Blockchain próprio ou específico. A pior solução será adotar um serviço público ou disponibilizado para acesso ao público em geral (Bitcoin Gold já sofreu ataques do tipo 51%).

Ainda com relação a segurança contra ataques. Transcrevo o seguinte trecho: “ O problema é que, segundo estimativa, para alcançar esse poder de processamento computacional maior que 50% dos computadores ligados à rede, seria necessário que o sujeito fraudador tivesse uma capacidade de processamento igual a cerca de 50 vezes a capacidade de processamento do Google (informação verbal) .” A informação foi colhida em ARAÚJO, Felipe. Aula 2: Ethereum. Blockchain simplificada. Curso online do ITS Rio, 16m45s, acesso em 22 de dezembro de 2018. Se entendi corretamente, o texto foi publicado no dia 19/08/2020 na revista do STJ, mas a consulta a fonte foi feita em dezembro de 2018 e, portanto, esta parte do material foi preparado antes desta data, tendo sido consultada pelo pesquisador para a elaboração do ensaio após esta data. Uma das questões relacionadas ao estudo do Blockchain é que os avanços são muito rápidos e novas possibilidades de uso estão sendo descobertas o tempo todo. Além disso atualmente (agosto/2020) não há consenso sobre a real eficácia de um ataque do tipo gasto duplo contra uma rede longa e grande como é o caso do Bitcoin. Estima-se que o custo estimado atualmente é de cerca de 93 bitcoins por hora de aluguel de processamento para a realização de um ataque do tipo gasto duplo na rede Bitcoin. Com um bitcoin valendo em torno de USD 11.300 o custo por hora/aluguel de processamento estaria um pouco acima de USD 1 milhão. Não sei quanto custa toda a capacidade de processamento do Google por hora, imagino que deva ser bem grande, mas entendo que a questão central não é o custo e sim o benefício. Se fazer algo custa 10 milhões de reais e o benefício obtido é de 15 milhões de reais pode valer a pena ficar com o “troco” de 5 milhões se o interessado tiver os 10 milhões de reais e existir suporte (processamento) disponível para ser alugado e usado.

Senti falta de alguma menção sobre a questão dos “ hard forks ”, dos “ reorgs ” e de como isso afetaria a questão da integridade e confiabilidade. Também acho que poderia ter sido abordado a questão das taxas. Não existe uma espécie de fila única que obriga os mineradores a tratarem as transações em ordem de chegada. Os mineradores costumam procurar as transações que pagam as maiores taxas para incluir nos blocos que estão validando.

O texto tem várias notas que são essencialmente necessárias pelo conteúdo técnico específico, inovador e relativamente recente, como é o caso do Blockchain. Ao lado de diversos esclarecimentos importantes e úteis encontramos dois, as notas 11 e 12 que comentamos a seguir:

Na nota 11 consta que “ A Blockchain compõe um sistema mais amplo, denominado Distributed Ledger Techology (DLT).” Entre outras questões um sistema remete a algo organizado ou estruturado e no caso específico a nota diz que Blockchain faz parte do sistema DLT que, salvo engano, nem existe como sistema organizado que por sua vez englobaria o Blockchain. Será que os autores estavam pensando em outra plataforma de Blockchain como por exemplo o Hyperledger ? Mesmo assim me pareceu controverso fazer uma nota com esse teor.

A nota seguinte (12) explica resumidamente o processo desde a mineração, a remuneração do minerador e a confirmação. A parte final desta nota pode gerar alguma confusão “ Quando a construção do bloco é finalizada, ele é adicionado à cadeia de blocos, e todas as transações nele contidas recebem uma ‘confirmação’. Sempre que um novo bloco é minerado, todas as transações já presentes no registro da blockchain recebem uma nova confirmação, de forma que o número de confirmações representa a profundidade da transação na cadeia de blocos ” (MARTINS, 2018, p. 34-35).” A coisa é um pouquinho mais complicada e uma afirmação como essa pode gerar algum tipo de conclusão incorreta. Com relação a questão da confirmação é líquido e certo que todos os novos blocos precisam e devem ser confirmados, e neste caso vale a tese do quanto mais melhor. O processo de confirmação por si só não garante a confiabilidade e integridade do Blockchain. É possível a realização de alterações como a exclusão de uma transação contida num bloco já minerado e com várias confirmações realizadas dentro da cadeia de blocos. O mecanismo que dá segurança é o fato de que esta alteração é detectável rapidamente no ciclo do processo de mineração e confirmação de blocos. A segurança não está na inviolabilidade do bloco, como se ele fosse inexpugnável e sim na detecção das violações que possam ser feitas nos blocos anteriores.

(*) Apenas para quem estiver um pouco curioso sobre carreira acadêmica. Ressalvando que existem diferenças entre instituições públicas e privadas e entre instituições brasileiras e estrangeiras.

Em breve resumo Livre-docente basicamente é o grau mais alto que pode ser obtido a partir da graduação universitária onde o primeiro passo é a graduação, que se divide em bacharelado (capacitação para alguma área específica com base mais abrangente de estudos como jornalismo e direito), tecnológico (capacitação para alguma área específica com base mais focada de estudo e ao contrário do que se possa pensar inclui áreas como gastronomia e logística) e licenciatura (capacitação para professores). O próximo passo é a pós-graduação que se divide em stricto sensu e lato sensu . Stricto sensu confere título de mestre ou doutor e requer, sob orientação de um professor orientador mais experiente a elaboração, defesa e aprovação de uma tese sobre um tema específico (defesa) perante uma banca examinadora. Além disso deve dominar uma língua estrangeira e se submeter a prova dissertativa, análise de currículo, entrevista pessoal e requer dedicação integral. O doutorado também é um tipo de pós-graduação e uma das diferenças está na originalidade da tese (inédita) a ser elaborada e como particularidade algumas instituições exigem que já tenha sido obtido o grau de mestre. O prazo de duração de um mestrado ou doutorado varia de dois a quatro anos. O lato sensu é voltado para formação de especialistas, exige mínimo de 360 horas aula presenciais ou não, dos quais o MBA é um exemplo). Nessa escalada ainda é possível subir mais um degrau que é a livre-docência que se diferencia dos anteriores pelo fato de não ter um orientador.

Essa titulação não se confunde com os nomes das carreiras de professor geralmente utilizadas nas faculdades e universidades, principalmente nas públicas: Professor Auxiliar, Assistente, Adjunto, Associado, Titular e alguns que tem a carreira de livre-docente e outras que tem Professor Colaborador e Professor Doutor. A progressão de um nível para outro também tem seus requisitos como cumprir determinado tempo num nível e obter título condizente com o próximo nível. Dentro da classificação também pode haver degraus (Auxiliar Nível I, Auxiliar Nível II etc.). A concessão do título de honoris causa não exige que se tenha algum título e não segue nenhuma dessas “hierarquias” de graduação.

Duas questões adicionais: 1) pós-doc ou postdoc vem do inglês post-doctoral ou postdoctorate . Não existe o título acadêmico de pós-doutor e a realização de um pós-doc destina-se a quem pretende realizar estudos e pesquisas após o doutorado. É uma forma de aprimoramento adicional após o doutorado e tem como foco exclusivamente a pesquisa (não exige elaboração e/ou defesa de tese). As regras de duração variam de país para país, mas alguns países instituem prazos para bolsistas, por exemplo; 2) PhD ou Ph.D vem do inglês Doctor of Philosophy é mais ou menos equivalente ao Livre-docente usado no Brasil. PhD é o último grau da carreira acadêmica em muitos países de língua inglesa.

https://rejuri.stj.jus.br/index.php/revistacientifica

https://www.nucleodoconhecimento.com.br/blog/videos/carreira-academica