Bancos x Criptomoedas - OCC Interpretive Letter #1172

O OCCOffice of the Comptroller of the Currency é um escritório criado em 1863 (no Governo de Abraham Lincoln ) ligado ao Departamento de Tesouro dos Estados Unidos. Basicamente tem como função regular e supervisionar cerca de 1.200 instituições financeiras (bancos americanos, instituições de poupança incluindo agências e filiais dos bancos estrangeiros autorizados a operar no território dos Estados Unidos). No Brasil, atuando em outros segmentos econômicos, temos algo parecido que são as agências reguladoras como por exemplo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações, Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária etc.) Apesar de estar inserido na estrutura burocrática do governo americano é um órgão independente, ou seja, seus conselheiros têm mandato (são chamados de comptroller mas podemos dizer que são “fiscais” ou reguladores e controladores). Entre os principais objetivos do OCC encontramos um que visa garantir a segurança e a solidez do sistema bancário americano permitindo que os bancos ofereçam novos produtos e serviços.

Dentro desse objetivo a agência emitiu uma interpretação (serve como orientação) no dia 21 de setembro de 2020 a respeito da manutenção de contas de depósitos bancários em território americano com a finalidade de receber depósitos vinculados a stablecoins com o objetivo de servir como “lastro” para a emissão deste tipo de criptomoeda. De acordo com o agente regulador e fiscalizador americano, em tradução tabajara, stablecoin “é um tipo de criptomoeda, garantido por uma moeda fiduciária, projetado para ter um valor estável em comparação com outros tipos de criptomoeda, que frequentemente apresentam grande volatilidade". Diz ainda a agência que enxerga potencial no uso de criptomoedas em larga escala para a realização de pagamentos em geral. Além de ter aprendido e entendido o que são as stablecoins o órgão também percebeu um aumento na quantidade de contas de depósitos mantidos por emissores de stablecoins nos bancos americanos. Como eles não são “bobos” perceberam que vale mais a pena manter o “dindin” depositado lá nos bancos americanos do que nos bancos de Hong Kong, Singapura ou de qualquer outro país por aí, talvez em algum paraíso fiscal longe das garras americanas.

Diante disso o agente regulador e fiscalizador entendeu que os bancos americanos podem manter contas do tipo “reserva bancária” para receber depósitos de apenas um tipo de moeda (certamente o dólar americano) com o objetivo de garantir a emissão de criptomoedas estáveis na proporção direta de 1:1. Caberá ainda ao banco que decidir pela oferta deste tipo de conta aos eventuais clientes emissores de stablecoins a obrigação de fiscalizar e garantir que as stablecoins estão sendo emitidas dentro do limite de paridade, ou seja, até o limite da reserva em moeda estável (fiat) mantida no banco ou abaixo deste limite, nunca acima. Não foi permitido nenhum tipo de transação envolvendo carteiras digitais, remessas ou recebimentos de transferências envolvendo as stablecoins vinculadas a conta “reserva bancária”. Por outro lado, o documento diz que é permitido aos bancos receberem depósitos de moeda fiat constituídos como uma espécie de “lastro” para a emissão de stablecoins por empresas que foram criadas para esta finalidade. É interessante notar que o órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro americano admite e reconhece a existência de empresas privadas criadas para emitir criptomoedas, mais precisamente aquelas que emitem criptomoedas estáveis. Transcrevo um trecho do documento em inglês: “A bank may also enter into appropriate contractual agreements with a stablecoin issuer governing the terms and conditions of the services that the bank provides to the issuer .” Em nossa versão tabajara significa algo como “Um banco também pode celebrar acordos contratuais dentro das regras vigentes (lá no mercado americano) com um emissor de stablecoin especificando os termos e condições dos serviços que o banco prestará ao emissor.”

Nos Estados Unidos as autoridades e especificamente os reguladores estão atentos ao avanço das criptomoedas. Neste documento constam alguns conceitos relacionados ao mundo das criptomoedas que são basicamente os mais aceitos. Começando pelo próprio entendimento claro e objetivo do que é uma stablecoin , conforme citamos mais acima. Apesar de restringir o tipo de moeda fiat a ser mantido em depósito nos bancos americanos a apenas uma moeda específica o documento oficial também reconhece que as stablecoins podem ser lastreadas em outros tipos de ativos tais como outras criptomoedas ou mesmo por mercadorias (commodities). O documento também cita outra ponta importante do universo das criptomoedas, o uso da criptografia.

O establishment não gosta muito da palavra Blockchain que ficou definitivamente relacionado ao nascimento do Bitcoin e sua visão nada favorável aos bancos. Por causa disso é comum os documentos oficiais usarem a sigla DLTDistributed Ledger Techonology (algo mais ou menos como tecnologia do livro razão distribuído) ao invés de usarem a palavra Blockchain. Outra questão que aparece sempre neste tipo de documento são as ressalvas e orientações relacionadas a garantir o cumprimento das leis de combate ao terrorismo e a lavagem de dinheiro.

Para não deixar passar, com relação ao uso talvez indevido da palavra “lastro” neste texto e que não consta no documento oficial americano pode ser polêmico para uns e definitivamente encerrado para outros. Atualmente nem mesmo as moedas oficiais têm “lastro”, portanto dizer que dólar serve como “lastro” de uma stablecoin é como dizer popularmente “ la garantía soy yo ” mas, esta é uma discussão para outro dia.

O fato importante a ser registrado (apesar de ser nos Estados Unidos) é o reconhecimento oficial da possibilidade de empresas privadas emitirem stablecoins mantendo nos bancos a quantia equivalente em moeda corrente, fato que é um avanço significativo. Talvez um dos próximos passos seja a criação de uma legislação específica para regular a criação, o funcionamento e a fiscalização de empresas emissoras de criptomoedas, sejam elas lastreadas ou não. Para quem ainda enxerga ilegalidade ou crime nas criptomoedas vale dizer que o próprio Departamento de Justiça do governo americano já revendeu para o público, sob a forma de leilão, boa quantidade de bitcoins apreendidos em poder de criminosos. O mesmo procedimento não é seguido quando há apreensão de drogas como maconha e cocaína, que são destruídos ao invés de serem “postos à venda” com aviso no próprio site dos agentes federais do Departamento de Justiça Americano.


Fonte: https://www.usmarshals.gov/assets/2020/febbitcoinauction/

Enquanto isso, em terras tropicais infestadas por um certo vírus, as Exchanges/Corretoras de criptomoedas lutam contra os Bancos que insistem em encerrar as contas que elas precisam manter para realizar suas operações comerciais, faz parte da rotina dos negócios de uma corretora o uso das contas bancárias para receber ou enviar depósitos para os clientes.


Pesquisa feita em 25/09/2020 no site: https://dsearch.com/search?q=bancos%20encerram%20contas%20de%20exchanges

Site da OCC: https://www.occ.treas.gov/

Link para o documento original em inglês: https://www.occ.treas.gov/topics/charters-and-licensing/interpretations-and-actions/2020/int1172.pdf

Pela notícia dá pra ver que há muito ainda que se difundir de informações verdadeiras sobre as cryptocoins. Tem muita informação falsa circulando por aí, afastando o pessoal.

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