Já não é uma questão de “se” e sim de “quando” vai surgir um arcabouço legislativo com o objetivo de regulamentar criptomoedas, aliás uma palavra que recentemente foi reconhecido e incluído no vocabulário ortográfico da língua portuguesa. A constatação vale para esta terra de quase ninguém e para a terra do Tio Sam ou do Tio Biden.
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Imagem retirada de: Congresso dos EUA discute 18 projetos de lei para regulamentação das criptomoedas e blockchain - Forbes Brasil
Tenho lá minhas dúvidas sobre a eficácia que uma legislação sobre este tema possa vir a ter. Acompanhei por algum tempo as discussões sobre um projeto de lei que começou a tramitar no Congresso Nacional em 2015, de autoria do deputado federal do Rio de Janeiro Aureo Ribeiro.
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Chegamos a setembro de 2021 e o projeto de lei não saiu da comissão que foi formada para discutir o tema. Ouviram diversos especialistas (de verdade como o Fernando Ulrich) e até representante do Banco Central. Na hora de colocar no papel o que tinha sido concebido para ser uma lei com o intuito de regulamentar resultou num projeto de lei que tentava criminalizar adeptos deste universo das criptomoedas. Depois disso alguns parlamentares da Câmara e do Senado tentaram avançar com projetos para regular criptomoedas e blockchains. Pesquisando por projetos de lei no site da Câmara Federal encontramos 7 projetos.
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Contando apenas com a iniciativa dos parlamentares esse tema não avança. A maioria das novas leis que são criadas nascem onde não deveriam nascer, no poder executivo, que se vale da sua força e impõe seu viés escolhendo seus interesses, muitas vezes inconfessáveis, para criar leis. Por aqui o Banco Central e a CVM estão “conversando” e lá no andar de cima (EUA) é o Congresso Americano, a quem cabe legislar sob o aspecto estrutural de uma democracia, que avalia e fatalmente irá criar uma ou mais leis para regular este tema.
Tanto lá como cá, relembrando a ideia estrutural de uma democracia, membros dos poderes executivos, legislativos e judiciários representam a elite que nos governa. Outra parte da elite que não faz parte deste triunvirato de alguma forma estão juntos e misturados numa simbiose interminável (empresários, artistas, profissionais liberais, sindicatos etc.). Desde o primeiro minuto em que se tornam nossos governantes eles não pensam em outra coisa além de nos governar e nos manter sob governança deles (manter sob controle do establishment). Em tese uma ponta (legilslativo) deve debater e criar leis para estruturar todo o arcabouço social que teoricamente nos manterá em pé. Outra (judiciário) deve nos manter dentro desta estrutura dizendo quem está certo e quem está errado a partir do que dizem as leis (teoria na prática ou aplicação da lei ao fato). E a última (executivo) deve ser uma espécie de super zelador ou uma espécie de gerente que faz de tudo construindo, consertando e mantendo em ordem coisas necessárias como escolas, hospitais, salários, ruas, pontes e estradas etc. É claro que estou simplificando uma questão que é absolutamente muito mais complexo e que não cabe em poucas linhas mal escritas.
Como já postei alguns meses atrás, tanto lá como cá, cada vez mais uma parte do dinheiro que existe é direcionado para investimentos relacionados a criptomoedas. E o que acham os governantes a respeito disso? Bom, se os governados estão alocando algum dinheiro nesse negócio é melhor começarmos a nos preocupar e pensar numa forma de controlar esse negócio antes que eles se prejudiquem. Em parte, isso é verdade, parte dos governados que se aventurou nesse mercado acabou se tornando vítima, justamente porque se aventurou. Aventuras podem terminar bem ou mal. Até mesmo no mundo dos golpistas os que começam cedo se dão melhor do que os que tentam a sorte quando o filão já está sendo explorado. No começo as chances de “enganar” são maiores pela falta de conhecimento e divulgação dos golpes. Com o passar do tempo a tendência é que golpes envolvendo criptomoedas se tornem mais um número nas estatísticas policiais ao lado de roubos, sequestros, fraudes etc. Sempre existirão os gananciosos que se acham espertos para alimentar estas estatísticas, faz parte, golpistas e vítimas existem desde sempre.
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Voltando ao ponto, dezenas de bilhões de dólares e até mesmo de reais já estão sendo alocados em investimentos que de alguma forma estão ligadas com alguma criptomoeda. Por aqui algumas iniciativas espalhadas esboçam alguma tentativa de regulamentação. A Receita Federal já exige (de quem se dispõe a fazê-lo…) informações sobre quantidade de criptomoedas em poder dos declarantes tendo até criado um código específico para identificar este ativo.
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Alguns parlamentares tentam debater o assunto no Congresso Brasileiro sem sucesso até aqui. Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários conversam sobre a necessidade de regulamentar este tema. Grandes bancos já disponibilizam opções de investimento que de alguma forma estão relacionados com alguma criptomoeda ou com a variação no preço de algumas criptomoedas (ETFs). Qualquer um com um pouco de coragem e acesso à internet consegue comprar e/ou vender criptomoedas. A corretora de criptomoedas brasileira Mercado Bitcoin (primeira empresa unicórnio do segmento de criptomoedas) patrocina programas da GloboNews, estampará sua marca na camisa de um time popular de futebol (dizem que é o time do povão) que tem por volta de 30 milhões de torcedores e fatalmente chegará na Bolsa de Valores daqui ou de lá (por enquanto é uma empresa que está próximo de um IPO e por enquanto pega recursos de investidores em ofertas privadas, fora da bolsa de valores). Nas corretoras tradicionais de valores é possível encontrar fundos com foco numa ou outra criptomoeda, a gosto do freguês.
Imagem retirada de: Mercado Bitcoin recebe US$ 200 milhões do Softbank e será 1º unicórnio cripto no Brasil | Criptomoedas | Valor Investe
Com esse tantinho de dinheiro indo para esse negócio chamado de criptomoedas os nossos ilustres governantes não deixariam isso de lado. Afinal de contas eles escolheram a opção de nos governar e nós aceitamos a opção de sermos governados por aqueles que escolhemos livremente. Então cabe a eles criarem leis que estabelecerão regras para o funcionamento deste mercado assim como caberá a eles puxarem nossa orelha quando estivermos atuando em desacordo com essas regras.
No mundo em que vivemos os governantes pensam o tempo todo como podem nos controlar e nós pensamos de vez em quando como escolher um bom governante que nos deixe em paz e não torre o nosso dinheiro de qualquer jeito, ou pior ainda, em proveito próprio. Não sou contra cobrança de impostos em níveis pertinentes, todavia me parece que eles não estão sendo cobrados em níveis razoáveis e muito menos estão sendo direcionados para uso nas necessidades efetivamente reais. Dizem que é fácil gastar ou dizer o que os outros devem fazer com o dinheiro deles, mas não gostamos que nos digam onde, quando e como devemos gastar o nosso suado dindim.
Finalmente, vale a pena saber que existe um enorme risco nesse negócio de regulamentação ou de criação de leis. É algo conhecido popularmente como dar um tiro no pé. Ao invés de resolver o problema criam-se outros. Ou como dizem por aí, criam-se dificuldades para vender facilidades. Como exemplo recente temos um projeto de lei que visa consolidar toda a legislação eleitoral espalhada em alguns regramentos dispersos que por enquanto já tem mais de 900 artigos. Quem apenas pensa em colocar no papel, na maioria das vezes não tem a real dimensão do mundo real e pior ainda, tenta impor um modelo fechado que abarque tudo de cabo a rabo tornando inviável a sua execução no dia a dia, no caso concreto.
Imagem retirada de: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2292163
Como dizia um professor que eu tive, enquanto o direito comercial está pensando em ir o mercado (vida real) já foi e voltou. Regular um tema que avança em ritmo acelerado como é o caso do mercado de criptomoedas não será uma tarefa fácil. Sem uma regulamentação leve, simples e com poucos artigos tratando de questões gerais sem entrar em minúcias ou preciosismos qualquer tentativa de regulamentação tenderá a fracassar e como consequência poderá criar uma quantidade enorme de problemas para este mercado promissor resultando naquilo que este mercado oferece como uma de suas vantagens, a mobilidade para voar para outros mercados além das fronteiras.