Bitfinex e Tether

O Fernando Ulrich abordou na semana passada a questão envolvendo a Bitfinex, Tether e reservas fracionárias. Como sempre o vídeo é excelente e não venho aqui fazer reparos ou contestações mas gostaria de apresentar mais detalhes, para quem se interessar, que não puderam ser abordados no vídeo que dura cerca de 13 minutos. O vídeo segue abaixo para introduzir o assunto:

Inicialmente transcrevo abaixo parte do trecho disponível no site da Procuradoria Geral de Nova York relacionado a investigação movida contra a Exchange Bitfinex, sua controladora IFinex e também contra a Tether. O trecho está na páginas 9 e 10 do documento que é uma espécie de contestação contra as acusações, assinada pelos escritórios MORGAN, LEWIS & BOCKIUS LLP e STEPTOE & JOHNSON LLP.

Tether Holders Are Not at Risk

"Neither the updated disclosure nor the line-of-credit transaction itself has impeded Tether’s ability to process redemptions. (Id. ¶ 33.) At present, Tether has cash and cash equivalents (i.e., short-term securities) on hand totaling approximately $2.1 billion, representing approximately 74 percent of the current outstanding tethers. (Id.) Between December 2018 and April 29, 2019, the average daily fiat redemption has been $566,066.00, with the largest being $24.2 million. (Id.) The vast majority of redemption requests of Tether are for less than $1 million. (Id.) Even if Bitfinex fully draws on the remaining amount of the line of credit, the reserves will still be just below $2 billion, representing approximately 68% percent of the current outstanding tethers. (Id.)

Beyond Tether’s cash on hand and cash equivalents, additional reserves are available, though in less liquid form. (Id. ¶ 34.) That Tether does not keep liquid, cash reserves equal to 100 percent of the outstanding tethers is not only disclosed to customers, but hardly a novel concept. (Id.) Commercial banks operate under a “fractional reserve” system whereby they keep cash on hand representing only a small fraction of customer deposits, deploying the rest via investments. (Id.) According to the Federal Reserve website, the banks must keep cash reserves representing, at most, only 10 percent of their liabilities. (Id. & Ex. G, at 1.) Tether’s cash reserves far exceed that, and the company has never lacked the funds to process a redemption."

Em tradução livre:

Portadores de Tether não estão em risco

A recente divulgação de uma alteração em nossas linhas de crédito bancário não afetaram a capacidade da Tether de processar os resgates. (Id. ¶ 33.) Atualmente, a Tether possui recursos em caixa e outros recursos equivalentes (ou seja, títulos de curto prazo) que totalizam aproximadamente US $ 2,1 bilhões, ou seja, equivale aproximadamente a 74% de Theters em circulação. (Id.) Entre dezembro de 2018 e 29 de abril de 2019, o resgate diário médio foi de US $ 566.066,00, sendo o maior US $ 24,2 milhões. (Id.) A grande maioria dos pedidos de resgate de Tether são de menos de US $ 1 milhão. (Id.) Mesmo que a Bitfinex utilize (saque) totalmente o valor disponível da linha de crédito bancário que ainda não foi utilizada, estas reservas ficarão um pouco abaixo de US $ 2 bilhões, representando aproximadamente 68% do total de Tethers em circulação. (Id.)

Além do dinheiro em caixa e equivalentes de caixa em nome da Tether, reservas adicionais estão disponíveis, embora tenham menos liquidez. (Id. ¶ 34.) O fato da Tether não divulgar aos clientes que não mantém reservas líquidas de caixa iguais a 100 por cento do montante de Tethers em circulação não é uma atitude incomum. (Id.) Os bancos comerciais operam sob um sistema de “reserva fracionária”, por meio do qual eles mantêm dinheiro em caixa que representam apenas uma pequena fração dos depósitos de clientes, utilizando o restante para realizar investimentos. (Id.) De acordo com o site da Reserva Federal, os bancos devem manter reservas de caixa que representem, no máximo, apenas 10% de seus passivos. (Id. E Ex. G, em 1.) As reservas de caixa da Tether são bem maiores e nunca faltou fundos para a empresa processar um resgate.

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Desde a sua criação, o token Tether vendeu a idéia de que para cada token emitido a empresa teria em caixa valor equivalente em Dólar, provávelmente daí vem a sigla USDT. Ao longo do tempo a Tether tem sido citada no noticiário pela falta de transparência, com esta regra de equivalência com uma moeda forte sendo fortemente questionada pela comunidade cripto. A Procuradoria Geral de Nova York está investigando a Exchange Bitfinex e a sua controladora IFinex além da própria Tether. Como muitas coisas deste universo cripto a Bitfinex tem suas peculiaridades: sua sede fica em Hong Kong mas a empresa foi registrada nas Ilhas Virgens Britânicas. Como a Bitfinex não divulga lista de clientes que residem em Nova York deu margem para que ocorra esta investigação em Nova York. A Bitfinex já foi hackeada em 2015 e 2016 (quando “levaram” 120 mil bitcoins). A Tether também tem seus mistérios. Nunca foi auditada de forma independente para constatar se realmente possui as reservas equivalentes conforme anunciava no seu lançamento (sistema de paridade 1 USD em caixa para 1 Tether emitido). Em setembro de 2018, por exemplo, as negociações ficaram suspensas por cerca de 8 horas gerando preocupações no mercado. Recentemente a Tether alterou a regra de equivalência 1 para 1 passando a somar outros recursos como linhas de crédito bancário e títulos de crédito. Outra notícia relevante foi o fato da Tether ter “emprestado” cerca de USD 850 milhões para a Bitfinex numa operação no mínimo estranha. Falando destas duas empresas (Bitfinex e Tether) chegamos a J. L. van der Velde, um holandês mas que aparentemente vive em Hong Kong. Em comum JL Van der Velde é o CEO da Bitfinex e da Tether. Outra questão relacionada ao desencaixe financeiro da Bitfinex que gerou a necessidade de “pegar” emprestado os USD 850 milhões pode estar relacionado com um fato que também ocorre no Brasil. A dificuldade em manter contas bancárias para receber depósitos e realizar os pagamentos dos saques de seus clientes. Diante destas dificuldades a Bitfinex passou a utilizar serviços de uma empresa chamada Crypto Capital Corp (CCC) que se comprometeu a prestar os serviços de saques e depósitos dos clientes da Bitfinex. Circulam notícias sobre bloqueios de recursos desta empresa Crypto Capital Corp realizadas por governos de países como Estados Unidos, Portugal e Espanha, fato que poderia explicar pelo menos em parte o desencaixe financeiro da Bitfinex. Outra empresa que usa ou usava os serviços da Crypto Capital Corp é a QuadrigaCX que recentemente foi notícia devido a morte do seu fundador e aparentemente tornando inacessível as wallets da empresa, impedindo o resgate das criptomoedas.

Links:

  1. Íntegra da defesa entregue pela Bitfinex, em inglês:
    https://iapps.courts.state.ny.us/nyscef/ViewDocument?docIndex=JcKQms/tM52ywY78HUsInw==

  2. Artigo que aborda a questão do empréstimo feito pela Tether para a Bitfinex e os supostos motivos:
    https://g1.globo.com/economia/tecnologia/blog/altieres-rohr/post/2019/04/26/corretora-de-bitcoin-bitfinex-usou-emprestimo-de-tether-para-cobrir-rombo-de-us-850-milhoes.ghtml

  3. Artigo em inglês com pesquisa realizada sobre JL van del Velde (CEO das empresas Bitfinex e Tether):
    https://www.ethnews.com/finding-van-der-velde-a-mission-to-unmask-the-ceo-of-the-worlds-largest-bitcoin-exchange
    https://tether.to/about-us/
    http://blog.bitfinex.com/profiles/bitfinex-leadership-jl-van-der-velde/

  4. Suspensão de operações com Tether em setembro de 2019:
    https://www.infomoney.com.br/mercados/bitcoin/noticia/7620686/criptomoeda-tether-fica-fora-do-ar-por-horas-e-gera-duvidas-no-mercado

  5. site da empresa Crypto Capital Corp (CCC):
    https://cryptocapital.co